17/09/08 (Quarta) – Puerto Natales / Ushuaia – 860km















































































Acordamos um pouquinho mais tarde nesse dia, já que a partir dali iniciaríamos nosso retorno. Queríamos voltar com calma, dirigir o quanto fosse possível e de preferência dormir em Puerto San Julian, continuaríamos ainda com o mesmo roteiro, apenas pulando Ushuaia (apenas?). A viagem foi tranqüila, mas o vento na região de Punta Arenas é assustador, muito difícil de controlar o carro e dependendo do dia, é tão forte que os guardas nos alertam nos postos, era o caso de hoje. Como começaríamos subir a Argentina, pensei que poderia começar a esquentar e não fiz questão de me agasalhar muito, além disso, queria usar a roupa mais limpa e confortável possível...Catarina limpa, tudo arrumadinho, roupa confortável, vamos começar a segunda parte da nossa viagem, pelo litoral, rumo ao Brasil. Durante a viagem, sempre a mesma paisagem de deserto, muito silêncio, o que nos faz ficar mais tempo com nossas próprias mentes....hmmm, que perigo! Lá vinha aquela “vozinha do além” ...”Puxa, Ushuaia tão pertinho e você vai perder a oportunidade? Ta certo que não dá pra fazer muita coisa lá, por causa da falta de tempo, mas deixar de pisar na cidade do fim do mundo? Deixar de chegar tão perto da Antártida? Pensa bem, o que é 1000zinho km a mais, sendo 400 e tantos km de rípio (ida e volta)? Não cai um raio duas vezes no mesmo lugar, ou, não voa uma pedra duas vezes no mesmo filtro...E pensa bem! Agora é um filtro de metal!” Eu me esforçava pra me distrair e calar essa voz do caramba que ficava me apurrinhando....ainda respondia pra ela: Cala a boca! Ta maluca? O Nano te mata só de você lançar a idéia! Olha, eu juro que me esforcei! Ainda olhava nos mapas e falava pra ele a quilometragem que faltava para Puerto San Julian, sempre tentando calar a voz da Isabela louca. Mas não teve jeito, não segurei a língua e comecei a dar umas espetadinhas de leve....”Que pena né Na? Ushuaia tão pertinho...mas ainda bem que a gente vai voltar aqui, né...um dia claro! Esperava uns 15min e vinha com outra frasezinha, com a voz bem macia “E o Estreito de Magalhães? O que o Fernão descobriu, que dá nome ao nosso blog, que pena que a gente não vai atravessar ele, né? Tudo bem, um dia a gente volta”....Ele foi ficando quieto e pensativo, de vez em quando respondia: “É loucura! Se esse filtro estoura de novo, nós estamos ferrados, não teremos nem como conseguir socorro”....”Claro, Nano! Não faço questão de ir, não! É loucura...mas uma pena, né?”....Daí ele pensava mais uns minutos: “Quantos dias ainda temos?” (sinal positivo)....”Áh, daria tempo sossegado de irmos até lá e voltar a tempo de trabalhar, mas tudo bem, não estou chateada, a gente volta aqui numa próxima, mas dá tempo sim, viu!...”Mas já é tarde, conseguiríamos chegar ainda hoje?”....”Claro! Só tem 2 aduanas, balsa, 230 km de rípio, mas tenho certeza que a gente consegue...mas deixa pra lá, a gente volta outro dia, não vou ficar triste”...Depois de um tempo ele já estava dizendo “Vamos rodar mais um pouco, pensar com calma e mais pra frente a gente decide”...Pronto, convenci! Agora estava fácil arrematar!
Paramos num posto na beira da estrada muito caricato, com 2 bombas de combustível à céu aberto, uma cafeteria bem velha, daquelas que range a porta, o assobio do vento, um lugar mágico. Em questão de segundos o Pablo já estava fora do carro brincando com um bebê todo encapotadinho, com as maçãs do rosto vermelhas, queimadas do vento e dois cachorros lindos. Enquanto tirava fotos, percebi ele num papo entusiasmado com o dono do local e quando nos aproximamos eles estavam conversando em português, o Pablo estava deslumbrado, parecia estar ouvindo uma nova língua. O cara é chileno, mas, morou 20 anos em São Paulo, falava sobre São Bernardo, Santana, a gente se sentiu meio em casa...perguntei o que levou ele a abandonar SP e viver naquele fim de mundo, naquela tranqüilidade, ele me disse que a esposa deu um ultimato e num gesto passou a mão no pescoço “sabe como é, Brasil, muita mulher, caipirinha”...Não tem jeito, até no fim do mundo é a mulher que manda! Seguimos nosso caminho e quando faltavam alguns km para entrada da estrada que vai ao Estreito de Magalhães, o Nano me pergunta: “E aí? Já decidiu? Vamos pra Ushuaia?...faço um charminho “Por mim não, juro que não me chateio, eu gostaria muito, mas se acontece alguma coisa com o carro por causa do rípio, não vou me perdoar”....Então ele pega à direita e vamos nós sentido Estreito de Magalhães, sentido Ushuaia, sentido cidade mais austral do mundo!”
Ainda esperamos um tempão no ferry boat, mais uma meia hora de travessia...Eu, que estava preparada para um friozinho de nada, só de moletom, sofri muito pouco com taaaaanto frio e vento! Terminamos de atravessar o Estreito umas 16:30hs, tínhamos mais 457km até Ushuaia, sendo 230 de rípio....e assim fomos, a uns 40km por hora, como tínhamos decidido que seria, “devagar e sempre”. Não sabíamos que o movimento era tão intenso, muuuitos caminhões, a perder de vista, geralmente em alta velocidade para o tipo de estrada e fazendo muitas pedras voarem no vidro, já tinham me alertado...fora as estilingadas de pedra embaixo do carro, que, mesmo com tanto trânsito de caminhões, não é muito consolidado. Foi tenso. O medo do vidro quebrar ou do filtro romper era constante. Chegamos na fronteira do Chile com a Argentina umas 23:00hs e descobrimos que estava “bem abaixo de zero”, palavras do funcionário de um posto...eu, de moletonzinho, maravilha! Na madrugada atravessamos os Andes mais uma vez e na negritude da noite só enxergávamos os picos nevados que se iluminavam com a lua, pena que minha máquina não capta essas imagens, isso nos tira de qualquer cansaço e sono, por mais fortes que sejam. Chegamos na cidade do fim do mundo por volta das 02:00hs do dia 18/09, aniversário do meu pai, nosso mentor, ídolo e maior incentivador dessa loucura, nesse momento, era o presente que podíamos dar à ele, ter conseguido, ter chegado ao fim do mundo de carro!
Mais uma vez começamos a ter a sensação que seria nossa primeira noite no carro, rodamos a cidade inteira em busca de um hotel e nada, nem no mais chique da cidade tinha vaga, tudo ocupado, sempre! Também começamos a achar que tinha algo de errado, não é temporada, não era possível, eles nos davam a impressão de ficarem com receio, por sermos em 3 e chegarmos de madrugada. Teve um hostel que o recepcionista me atendeu, abriu a porta e disse que só poderia me recepcionar às 7:00, eu fiz que não entendi e ele deixou claro que eu esperasse e voltasse às sete para me dizer se havia disponibilidade ou não (veja bem, ele não estava me dizendo que naquele momento não havia vaga), eu respondi: “Com certeza, dormiremos no carro e às sete eu volto pra você me dizer se tem vaga, só porque você não quer me atender agora, seu inútil”. Já tínhamos passado por uma hospedagem bem bonitinha por sinal, onde eu tinha sido bem atendida por uma moça descalça, mas queríamos achar algum lugar que aceitasse cartão...não teve jeito, era lá ou carro. Quando conhecemos melhor o lugar, nos arrependemos de não ter ficado logo de cara, a casinha era linda, com uma vista incrível da cidade, tudo muito limpo, confortável, aconchegante, igual as “bed and breakfast” aqui do Brasil, com gente acolhedora, simpática e silenciosa. Depois de um bom banho, às 4:00 estava colocando a cabeça no travesseiro....E meu pai ainda não sabia que mudamos os planos e fomos até Ushuaia, é isso, nós tínhamos conseguido!

16/09/08 (Terça) – Torres Del Paine / Puerto Natales – 170km





































Se não foi a pior, foi uma das piores noites de nossas vidas. Não dá pra descrever o quanto se estenderam as horas. Da meia noite às 07:00hs pareceram dias. Passamos a noite inteira tentando fechar o saco de dormir que teimava em abrir, era tudo muito apertado, desconfortável, tudo coçava pela falta de banho, o gelo do chão penetrava nas costas e por todo o corpo. Eu tentava condicionar minha mente, relaxar, mas o maxilar voltava a bater, foi uma luta, eu mandava meu corpo parar, mas ele insistia em tremer inteirinho, já não sentia meus pés de novo. Só foi piorando conforme as horas foram passando. Eu e o Nano deitados com a cabeça para baixo e o Pablo ficou em cima de um calombo de terra e pedras. Eu me sentia um pouquinho “menos pior” quando virava de frente pra ele, mas não é meu lado de dormir e não conseguia ficar por muito tempo, também não conseguia me virar dentro daquele sarcófago e ficava muito mais frio. Pensei em sair da barraca e ficar na fogueira, mas tinha medo do breu, o Nano estava meio em transe, se tremendo inteiro, tentando se virar, eu não sabia o quanto ele estava dormindo e o quanto estava acordado. A vontade de sair dali foi tomando força e me encorajando, ainda bem que estava uma noite linda, com uma lua enorme, nem seria tão assustador assim....claro, não poderia ter sido diferente, ouvi aquele barulho e não podia acreditar....chuva, mas não uma chuvinha, uma chuva torrencial! Juro que se não tivesse passado por isso, não acreditaria se alguém me contasse. O frio que já não dá pra explicar o quanto era frio, conseguiu ficar mais frio ainda! Meu maxilar nunca mais parou de bater e foi dando um nó na mente. Comecei a pensar que ia ter hipotermia, que perderia pelo menos um dos meus dedinhos...rs...que não ia amanhecer nunca mais! Quando já não suportava mais nada e estava meio xarope da cabeça, percebi que o Nano dormia profundamente, e ouvi roncos do Pablo lá da outra barraca! Será possível?! Meu desespero aumentou e sentei, como uma louca, parecendo uma mendiga, com os cabelos absurdamente duros, empoeirados e embaraçados, fiquei me balançando e dando uns tapinhas no plástico da barraca pra ver as gotas escorrerem, mas elas não escorriam, isso significava que estavam virando gelo e que estava alguns graus abaixo de zero, pelo menos uma hora se passou assim, olhando para o relógio e contando segundo a segundo Daí pirei de vez, beliscava os dedos dos pés e ouvia “sons” vindo da barraca do Pablo, ele não roncava mais, “parecia” chorar, eu achava que se existe uma crise de estafa, era isso que estava acontecendo comigo, pensava que o Pablo estava passando mal e tendo hipotermia, achava o Nano quieto demais naquela posição de morto e verifiquei se ele estava respirando (olha a que ponto chega a loucura). Me mexia, me coçava, fazia barulho pra ver se ele acordava e nada. Faltavam 15 minutos para às sete, eu não queria acordá-lo só por acordá-lo, então adiantei o relógio alguns minutos e coloquei pra despertar bem na orelha dele, pelo menos ele não ficaria bravo comigo. Ele acordou, sentou e tomou um susto quando viu a louca, disse que meu estado era deplorável. Eu não queria nem falar mais. Percebemos que a chuva tinha entrado e a barraca e os sacos estavam molhados por dentro, Meu Deus, que frio! Enfiar os pés dentro daquelas meias e botas molhadas era meu pior castigo. Desde que percebi que a situação ia ficar feia no dia anterior, fiz um coque no cabelo e nunca mais mexi nele, àquilo estava de arrancar o dedo de qualquer um. O cheiro de fogueira e gasolina em nós dois dentro da barraca era insuportável e ainda não tínhamos tomado banho! Enrolamos nossos sacos, e pegamos a trilha para o refúgio, o Pablo ficava para trás, parado, tremendo de frio. Ninguém tinha acordado ainda, ficamos debruçados na mesa onde é servido o café, esperando, ainda bem que ali os hóspedes não dão muita importância pra aparência. Mesmo com o estômago tão vazio, eu não conseguia comer. Quando veio aquela aveia mergulhada num leite fervendo então, áh, que nojo! Mas é a dieta para os trekkers agüentarem o dia. Tinha uma salinha que chamavam de living, com uma rede, dois pufes, uma pequena lareira e várias meias podres de chulé espalhadas, garrafas de vinho vazias esquecidas da noite anterior...o Pablo se ajeitou no chão mesmo, eu e o Nano petrificamos num pufe perto da lareira esperando o mecânico. Depois das 8:30 passada foi que ele fez um contato por rádio com o cara do refúgio, tentando entender o que aconteceu e onde estava o carro. Já avisou o preço, que não era barato, claro! Para não chorarmos depois. Avisou que dali 10min estaria passando para nos pegar, levar ao hotel, onde poderíamos aguardar na recepção, enquanto um iria com ele até o carro e sabe Deus o que seria. Fomos nós no carro do chileno para o hotel chique, e a gente naquele estado horroroso. Ainda tivemos que esperar um tempo, até vir outro mecânico (nossa, tudo é enrolado!) Decidimos que o Pablo ficaria no hotel aguardando com nossas tralhas e eu e o Nano iríamos com o mecânico. Eu, Nano, dois chilenos numa van velha caindo os pedaços, passeando pelo Torres, procurando a Cata. O mecânico nos conta cheio de orgulho que era mecânico, mas não tinha um filtro de combustível, que maravilha! “O que o Sr. não entende é que sabemos qual é o problema e precisamos da peça”...e ele com aquela cara de “relaxa, a gente vê o que faz”...já estava vendo que jogaríamos mais dinheiro fora, mas fazer o que, foi o melhor que conseguimos. No caminho, pescoçávamos o tempo todo procurando a Cata e nada dela, subidas, descidas, curvas, montanhas e nada dela aparecer, só então pudemos calcular e ter noção do quaaaanto o Pablo tinha andado no dia anterior, e rápido! (pelo menos uns 13km) Puxa, ele tinha sido nosso herói. Quando avistamos “ela” do alto de um morro, respiramos aliviados e contamos o que pensávamos. O Nano, mais louco, pensava que tinham roubado o carro (mesmo quebrado!) e que o Parque ia ter que nos indenizar (só se foi um bando de guanacos bandidos), ou que “ela” tivesse perdido o freio, descido ribanceira abaixo e estivesse no fundo de um lago e que, durante a noite ficava esperando um barulho de explosão, que veria muita fumaça atrás das Torres e no dia seguinte descobriríamos que “ela” explodiu...o Pablo também pensou isso, eu também pensei em esvaziar o tanque para evitar uma explosão (é por isso que estamos viajando juntos, 3 patetas). O mecânico soltou o filtro em 5 minutos, o que o Nano tentou durante horas e não conseguiu fazer por não ter as ferramentas certas e vimos que a rachadura ia de ponta a ponta, o negócio ainda era de plástico! Dá pra acreditar na c...gada dessa Fiat?! O chileno “jirainha” tinha levado umas mangueiras, num instante fez uma gambiarra, ligou uma mangueira na outra, desprezou o filtro, a Cata ligou fácil e não vazou uma gota de gasolina...afee, estávamos salvos, mais uns 200km e banho quente, talvez ainda desse tempo de não perder o dedinho do pé, que agora doía muito. Na volta ao hotel, seguindo a van dos chilenos, começamos a ter uma leve mudança de pensamentos....”agora a gente começa a voltar, Ushuaia não dá mais mesmo, mas ano que vem podemos ir para o Deserto do Atacama de carro, pensando bem não é tão ruim viajar de carro né? É só a gente comprar um que não tenha filtro de combustível embaixo” o pior é que nenhum dos dois discorda, isso é um vício, a gente apanha, mas gosta.
O chileno disse que tinha um filtro do carro particular dele e se servisse colocava no nosso carro, caso contrário, iríamos de gambiarra até Natales e lá tentaríamos comprar outro. Enquanto foram na oficina/garagem dele, fui até o hotel tranqüilizar o Pablo...ele estava na porta, ao relento, abraçado à nossas tralhas com cara de cachorro sem dono, ele não falou nada e eu achei que estava ali por que estava preocupado e queria tomar um ar, sei lá. O filtro não servia, ainda tinha muita estrada de rípio, teríamos que ir bem devagar. Voltamos ao hotel para pagar e no carro o Pablo contou que tinha sido “convidado a se retirar” por não ser hóspede....ai, ai, ai, de novo eu sentia as bolhinhas de sangue dentro das veias, comecei a ferver...Como assim?! Foram os próprios mecânicos (funcionários do hotel) que pediram para aguardarmos na recepção até o conserto, até porque teríamos que pagar lá (tá certo que nossa aparência não era das melhores, mas isso é preconceito). Aguardei “calmamente” ser atendida pela recepcionista extremamente simpática que conversava muito empolgada com um gringo mala! Eles descobriram muitas coisas em comum, ele era Croata e toda a família dela era de lá...ainda bem que eu estava super descansada e paciente aguardando aquela palhaçada toda. Ainda bem também que o Nano estava na mesma situação e foi tão delicado quanto eu gostaria que ele fosse: “Escuta aqui, eu to querendo pagar e vocês não estão querendo receber, posso ir embora assim ou alguém prefere me atender?”...Tinha mais duas baratas tontas atrás do balcão que se mobilizaram rapidinho e ficaram apanhando da máquina de cartão de crédito...como esse povo é enrolado! Então, com gosto eu pude dizer: “Mocinha!”...áh, como eu adoro isso! Pela primeira vez em muitos dias eu fiz questão de falar absolutamente em português, expliquei o que tinha acontecido e sobre a atitude nada profissional dela pedindo para o Pablo sair do hotel (ainda mais quando vi duas crianças remelentas fazendo a maior zona nos sofás da recepção)...ela fez que não entendeu e o Nano começou a explicar em Espanhol, eu pedi pra ele parar e disse que, não era mais eu que ia ter que me esforçar para me fazer entender e sim ela, já que, trabalhava num hotel de luxo deveria falar mais do que o Espanhol...engraçado, de repente ela entendeu o que eu disse! Ficou muito sem graça, pediu desculpas, abaixou a cabeça, minhas bolhinhas pararam de fervilhar e eu saí feliz.
Na volta, cada um escorado numa porta do carro, os olhos fechando, as cabeças coçando, percebemos que eu e o Nano estávamos com febre, mas eu não tinha nada além de febre. Chegamos em Natales umas 15:00hs, nos demos o direito de um almoço de rei no hotel (o melhor que eles conseguissem fazer), deixamos o Pablo para descansar e fazer contato com o Brasil e fomos em busca de um filtro de combustível, rodamos a cidade e a única loja estava fechada ainda, fomos à casa do tiozinho do câmbio e ele “ainda” não tinha a cotação (povo enrolado? Imagina!), teríamos que voltar mais tarde. Meu Deus, esse dia não vai acabar? Conseguimos finalmente comprar o filtro e por incrível que pareça, lá no fim do mundo achamos um de metal...E pra achar um mecânico que quisesse trocar? Rodamos a cidade toda umas 3 vezes, as poucas oficinas que tinham, sempre na garagem das casas, eles nunca queriam trocar (povo preguiçoso? Imagina!) O Nano já estava quase desistindo e entrando embaixo do carro ele mesmo pra trocar, mesmo sem ferramentas e macaco certo, quando achamos uma boa alma que aceitou...levou uns 20 minutos. Decidimos que daríamos um belo banho na Catarina que, estava de barro e terra até o último parafuso, para começarmos uma nova viagem de volta, carro limpo, banho tomado, roupas limpas (+ ou - ) e Ushuaia um dia talvez, de avião. Achar um lava rápido nessa cidade...piada né! Depois de muito procurarmos, encontramos dois caras na garagem de uma casa (lá, tudo é assim), eles aceitaram o desafio, mas pediram 2 horas. Como eles também trocavam o óleo, deixamos a Cata no seu dia de princesa e fomos a pé na mesma loja do filtro, comprar o óleo, andamos muito e muito e começou a chover! O cansaço já tinha passado do ponto de estafa e virado “que se dane”, como uma louca, molhada, fedida, cabelo de Bob Marley, ainda entrava nas lojinhas procurando regalos. Voltamos a pé no tiozinho do câmbio, ele tinha saído, teríamos que voltar mais tarde...rs...será que tomo banho hoje ou fico 3 dias sem? Nós andávamos na rua e eu peguntava: “Por favor Nano, diga-me, tem fim esse dia?”.....Chegamos na garagem dos caras e lá estava ela, linda, reluzente, cheirosa como uma princesa, até descobrimos novamente a cor dela que nem se via mais, os caras deram o maior trato! Foram super atenciosos, só dava dó de entrar no carro cheios de barro como nós estávamos, ainda esperamos trocarem o óleo e voltamos na casa do tiozinho, agora sim, com a cotação que, era péssima por sinal. Trocamos poucos pesos, apenas para sair do Chile e FINALMENTE voltamos ao hotel. Um banho de uma hora onde os processos de lavagem foram repetidos de duas a três vezes, mesmo sabendo que já ia comer, escovei os dentes duas vezes e me sentia renascida do inferno. Esperei o Nano tomar banho, nos enfiamos embaixo das cobertas, comi uma sopa quentinha, enfiava a cabeça no travesseiro macio, puxava a coberta até a orelha e gostava de ficar lembrando da noite anterior.

15/09/08 (Segunda) – Puerto Natales / Torres Del Paine – 170km












































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































De novo acordo no meio da noite com falta de ar, dor no peito, angústia, vontade de estar em casa. Pôxa, hoje era o dia do Torres, o que eu mais queria e eu assim, derrubadona. Temos enfrentado problemas pessoais diários, impublicáveis, mas não deixamos de aproveitar nenhum dia, mesmo com toda as dificuldades. No caminho do Torres aparece o primeiro lago, enorme, uma bela visão, já que não dá pra mergulhar, pelo menos lavar o rosto pra ver se tiro um pouco dessa nhaca. A água é congelante, congela minhas mãos e rosto e eu adoro essa sensação. Bebo um pouco da água cristalina, pura, mais saborosa que as que temos comprado de garrafa. O Nano, com dor de garganta não pode ter esses prazeres. Na portaria do Torres, mais conversação sobre jogadores de futebol brasileiros...afeee! Depois de alguns km avistamos os primeiros guanacos, áhhhh guanaquinhos, como eu desejei ver vocês de perto! Um monte de fotos, várias tentativas de contato com os danadinhos que nunca deixam a gente se aproximar muito. O rípio aqui é menos batido, muitas pedras, o carro chacoalha muito, muitas curvas, subidas e descidas...a Isabela que é bem fraquinha, enjoa por qualquer coisa, tem piriri por qualquer coisa, começa a passar mal...putz, para o barco que eu vou nadando. Avisto de longe o Lago Pehoé, que emoção, 10 meses vendo ele por revistas e sites e agora eu estava ali bem pertinho, mal posso esperar pra ver as Torres, mas o enjôo estava me matando, cada vez mais forte. Eu não perdia uma foto, mas ninguém conversa mais comigo se não eu vomito. Quando não agüentava mais, paramos no Salto Chico, o Chico salta do carro e eu vou chamar o “Juca” atrás de umas vans estacionadas, os dois só querem ficar falando sobre as vans americanas e tal, e eu zuada. Preciso de frio, água gelada no rosto! Ficamos sentados na beira do lago por um tempo, um silêncio “gritante”, cortado só pelo barulho do vento e o canto dos pássaros, áh, aquele verde da água de doer os olhos, como desejei estar nesse lugar. O Nano queria voltar, ainda tinha um bom chão até o Lago Grey...nem pensar, nem que eu vá de soro endovenoso, mas daqui não saio enquanto não puder ver e gravar em minha mente o máximo de imagens possíveis. Já que não daria tempo de aproveitar o Torres como ele merece, não daria tempo de fazer sequer uma “perninha” do circuito W, eu precisava aproveitar esse dia o máximo possível! E assim seguimos, eu mudinha pra não conversar com o Juca de novo, fazendo minhas fotos, tudo maravilhoso, nenhum metro de imagens feias, muito colírio para os olhos tão cansados do absurdo que é São Paulo. Chegamos ao Hotel do Lago Grey e fizemos uma diminuta trilha até a praia, é impressionante como cada vez vemos coisas e temos sensações mais diferentes nessa viagem. Quando achamos que já vimos de tudo, sempre tem algo para nos surpreender. A extensão de areia era enorme, nem imagino quantos metros a perder de vista, e lá na frente, muito lá na frente, os Icebergs! É claro que tínhamos que chegar até lá. Um casal que ia na direção da água parecia duas formiguinhas aos nossos olhos, mas ainda estavam longe da praia. A caminhada era muito difícil, nunca, em lugar nenhum que passamos, pegamos um vento tão forte. Quando ele soprava contra era difícil demais caminhar e quando ele soprava á favor era difícil manter-se em pé. Teríamos que atravessar dois braços de um rio para chegar à beira da praia, primeiro caminhamos em direção à ele e seguimos seu curso contrário procurando uma passagem, andamos muito e nada, só ilusões de ótica. O Pablo desistiu no meio do caminho e teve a idéia insana de atravessá-lo a pé, não era fundo, mas nem sabíamos onde a água batia. Enquanto caminhávamos lateralmente procurando uma passagem, avistamos de longe ele atravessando, na hora me deu muita raiva, mas depois desencanei e achei mesmo que ele tinha que fazer o que sentia vontade, mesmo que tivesse que amputar os pés por congelamento? (Vó, pula essa parte!) Eu via que a água estava quase na cintura, era o pedaço mais fundo. Nós chegamos até a ponta do caminho e não tinha passagem nenhuma, começamos a voltar e seguir seu curso normal, talvez, na outra ponta. Andamos muito, sempre contra ou à favor do vento, insuportavelmente forte, um barulho ensurdecedor, mesmo gritando muito não conseguíamos ouvir um ao outro, fomos seguindo pegadas, deveria ter uma passagem. O Pablo, já do outro lado, berrava empolgado para nós também atravessarmos, acho que ele tinha gostado dessa coisa de congelamento.

POR PABLO

O rio atravessava de uma ponta a outra da área e como eu estava no meio, preferi atravessá-lo a pé para não perder tempo. A água estava muito fria e chegou a bater na altura da coxa. Quando saí, não estava sentindo meus pés e com a temperatura muito baixa achei que iriam congelar, então aproveitei o fraco calor do sol e o vento muito forte andando e mexendo os dedos dos pés que, começaram a melhorar.

ISABELA

Chegamos na outra ponta e para nossa decepção não havia passagem, só era mais raso, molharíamos no máximo até as canelas. (TUDO ISSO POR QUE SOMOS MUITO BANANAS! Explico adiante) Bom, fim do caminho, quem vai e quem fica? O Nano deu meia volta, emburrado, irritado e disse para eu ir sozinha que ele voltaria para o carro, estava com muita dor de garganta e achava uma loucura se enfiar naquela água semi-congelada e depois ainda dirigir quase 200km, molhado, até Natales. Eu concordava em gênero, grau e número com ele, mas por outro lado não podia perder essa oportunidade, eu precisava chegar mais perto do gelo. Sinto muito Nano, eu vou! Ele esperou eu atravessar o riozinho, me ajudou a achar passagens mais rasas, viramos as costas e cada um seguiu para um lado. Depois de andar muito na direção onde o Pablo me esperava, com dor no coração vi o Nano sumir como uma formiguinha pela trilha de volta. O que eu não esperava é que o outro braço de rio, por onde o Pablo tinha atravessado quase pela cintura, só dava pra ser atravessado por lá! Não tinha lugar mais raso. Ele gritava do outro lado um monte de coisas que eu não ouvia e nas palavras levadas pelo vento só entendi: “Por aqui, não!” A imagem dali era mais bonita, quanto gelo! Eu tinha dois dilemas, não podia nadar, nadar e morrer na praia, literalmente, e também não podia deixar o Nano fora dessa, mas também não podia forçar ele a entrar na água. Tinha que ter outro jeito, apesar de várias pegadas me provarem que as pessoas atravessavam o rio, também via muito longe outras formiguinhas indo em direção à umas árvores, o que me pareceu uma trilha, depois do rio. O Pablo também não enxergava, mas achava que podia ser. Então pedi pra ele esperar que, eu ia voltar tudo e de um jeito ou de outro voltaria com o Nano. E foi o que fiz, muito vento, muita areia, muitas pedras, atravessa rio, anda, anda, trilha, chego perto do carro e o Nano belo e quentinho fazendo uma boquinha, com a maior de cara de :”Já? Era só isso?” Eu, toda emotiva né, cheia de argumentos, falando das coisas belas da vida, de não desistirmos e ele com a maior cara de paisagem, abocanhando seu lanchinho e me dizendo:”tá, se tiver uma trilha eu vou, mas na água não entro” ...e é claro que tinha uma trilha! Bem estruturada por sinal, até com makete do lago e uma ponte pra atravessar o rio, lógico! Atravessar rio de água congelante, só os patetas mesmo. Depois de mais uma boa caminhada, chegamos ao Pablo e juntos, finalmente, fomos até a beira da água! Que lugar impressionante! Os Icebergs pertinho da gente, de todo os tamanhos....áh, eu precisava sentir aquilo! Só ver já não bastava. Eu estava ensopada mesmo, meus pés nadavam dentro das botas, então, o que é mais uma congeladinha pra quem já está anestesiada, mesmo? Eu pude ver bem de perto como é mesmo a formação dos Icebergs, mesmo os pequenininhos, pedras de gelo que a gente carrega nos braços, realmente, a parte que aparece na superfície é muito menor comparada à que está submersa e você não enxerga o que está submerso. Os pequenos parecem cristais, formados por vários quadradinhos que reluzem aos olhos, os grandes, são massas de gelo bem azuis. Dá um acessozinho de loucura, a gente grita, pula, canta e dança, chupamos e mastigamos muito gelo. A dor era muito forte, a sensação de muitas facas entrando nas minhas pernas (já tinha sentido algo parecido num mergulho rápido que dei em Visconde de Mauá, onde a temperatura da água era de 4 graus) mas dessa vez era muito mais forte (coitado do Jack, namoradinho da Rose, do Titanic), o Nano me arrancou da água, o Pablo não entrou dessa vez, não quis mais brincar de se congelar (ainda bem, por tudo o que aconteceu depois) . Dei uns pulos, a dor foi passando e fui deixando de sentir os pés, sem dor, sem pés. Começamos a voltar, procurando pedras de formatos diferentes, guardando os seixos nos bolsos das calças, uma lembrança daquele dia. Ainda bem que, logo estaríamos no nosso hotel quentinho, tomando um banho quentinho, jantando uma sopa quentinha (áh, se soubéssemos o que nos aguardava). Eram 16:30hs quando o Pablo propôs que ficássemos mais um pouco, sentados nos seixos observando aquela perfeição de Deus. Não dava, estávamos congelando, ainda tinha uns 200km de estrada de rípio e eu ainda queria ver as Torres mais de perto, na volta. Meu enjôo tinha passado por completo e agora eu sentia muita fome! No carro tirei as botas, escorri um pouco da água de dentro delas, torci as meias, o Nano ligou o ar quente nos meus pezinhos azuis e eu saboreei meu lanchinho velho que tinha guardado do café da manhã do hotel. Pegamos outro caminho, para ver as Torres mais de perto, o rípio era mais agressivo, pedras maiores e mais soltas.........e então......como alegria de congelado dura pouco, logo depois de uma curva, numa subida, a luz da injeção acende, o carro perde a força e morre. O Nano botou a testa no volante e disse: “Áh não Meu Deus, agora não!” Meu lanchinho velho voltou todinho na guela e eu segurei o “Jucão”, o Pablo, sempre muito filosófico só soltou um: “Puta merda!”...Calma, respiremos fundo, o Nano abre o capô, dá uma mexidinha no chicote e tenta ligar o carro, NADA! Mas sente um cheiro muito forte de gasolina, desce, olha em volta e solta um “F...DEU”! Em alto e bom som. Estourou o filtro de combustível! Bom, eu sabia que tinha de fazer minha parte que, consistia em engolir o “Juquinha” que teimava em querer sair, não ter enxaqueca, vestir minhas meias e botas ensopadas e ficar quietinha, mesmo com a sensação que passaria muito tempo com elas nos pés. O Nano ia tentar virar o carro para baixo, para empurrarmos e pegar no tranco, mas quando ele virou a chave no contato para soltar a direção, nós gritamos de fora:”pára, pára, pára” o combustível esguichava com força total! Daí piorou, porque o carro ficou atravessado na estrada, na diagonal e daquele jeito tinha que ficar.

POR NANO

Não é possivel! Sim, é possível e acreditem se quiserem, vi tudo neste carro antes
de comprá-lo para essa viagem, sò não vi que o filtro de combustível era exatamente debaixo do carro. Para um carro que vai rodar quase 1000 km no rípio, isso não é nada bom, então aconteceu o que eu temia, bateu uma pedra e ele quebrou, mas fiquei feliz por não ser o problema da injeção, esse sim seria uma dor de cabeça, dentro daquele parque enorme e sem nenhum tipo de socorro.

ISABELA

Bom, eu pensei, tenho um mapa, vou caminhar até a próxima portaria e pedir socorro, mas não tinha idéia de quantos km seriam, mas isso era o de menos, uma hora eu chegava, mas eles não deixaram e o Pablo quis ir sozinho. Não tinha outro jeito, ele ia enquanto o Nano tentava arrumar de algum jeito. Ele se enfiou embaixo do carro e lá ficou por horas, tentando soltar o filtro, tentando fazer alguma gambiarra, mas o frio era demais, a tarde já tinha caído por completo e a noite dava seus primeiros sinais. Eu só podia ajudar como sinalizadora e instrumentadora, ainda bem que sempre faço uma mochila só de kit sobrevivência, super bonder, silver tape, tesoura, lanterna, agulha, tudo o que acho que pode ser útil, até bússola a louca leva. E foi meu kit sobrevivência que deu uma “ajudada”, primeiro muita super bonder, depois muita silver tape...Eu percebia que as mãos do Nano estavam mudando de cor, enquanto eu estava agaichada segurando a lanterna embaixo do carro, comecei a sentir “coisas” diferentes nos pés, uma espécie de choque, formigamento, só pensava que estava ferrada. Daí começou de fato a anoitecer e eu comecei a ficar muito preocupada com o Pablo, lembrei que ele ainda estava com pés e botas molhados, apenas com uma jaqueta fina, sem comer nada o dia inteiro, sem água, sem lanterna, sem mapa...que m...Fiquei muito tempo andando em círculos na estrada, olhando para os Cerros Espada, Hoja, Máscara (eu acho) que, juntos formavam uma enorme montanha, bem ali nas nossas costas, quase que nos engolindo e pensando em mil coisas...quase toda a nossa bagagem estava no hotel em Natales, onde fecharíamos a conta na manhã seguinte, eu nem sei onde estaríamos na manhã seguinte. Não tínhamos água, nem comida, nem fogareiro, nem roupas, nem produtos de higiene...tudo no hotel. No carro, ficaram barracas, colchonetes, isolantes térmicos, uma mochila com jaquetas mais grossas e o kit sobrevivência...bom, dava pra passar fácil com tudo isso, mas eu trocava tudo por um par de meias secas. Pensava que Ushuaia já era, e era mesmo porque não teríamos mais tempo, nem dinheiro, além de ser loucura pegar estrada de rípio novamente, com aquele filtro ridículo desprotegido e embaixo do carro. Pensava como faríamos pra sair dali, talvez nos rebocassem até alguma portaria, onde passaríamos a noite dentro do carro, pela manhã iríamos de ônibus até Natales, 160km, e voltaríamos com o filtro e um mecânico....bom, já pensava em arrumar um emprego de pastora de ovelhas para arcar com tantas despesas. Detalhe: Tentamos cambiar no domingo, mas só tinha um tiozinho que fazia câmbio particular, na casa dele e pediu para voltarmos na segunda, pois ele não tinha a cotação. O dinheiro que tínhamos era suficiente para passarmos o dia no Torres e na volta, iríamos à casa dele cambiar...isso piorava só um pouquinho nossa situação. Enquanto esperávamos as colas secarem, cada um ia para um lado e subíamos em pequenos montes tentando avistar algo, mas a paisagem era sempre a mesma, montanhas, gelo, estrada, guanacos e lagos a perder de vista...nada do Pablo, nem portarias, nem viva alma. A noite veio com vontade, junto com ela um frio assustador, de verdade que eu não sentia os dedos dos pés! Vi um par de faróis surgindo na curva lá em cima e enquanto o Nano estava embaixo do carro eu sinalizava que nem louca com a lanterna. Um casal muito gente boa parou e avisou que o Pablo tinha conseguido chegar numa portaria, que eles estavam contatando o CONAF para trazer algum tipo de ajuda....putz, que alívio!

POR PABLO

O carro parou. Tínhamos andado por volta de 20km e me prontifiquei de ir logo andando a pé pela estrada para não perder tempo, pois já eram cinco horas da tarde e não tinha idéia de quanto eu teria que percorrer para achar ajuda. Depois de uns 2km percorridos, estava ansioso para avistar algo logo acima de uma elevação, mas o que aparecia lá embaixo eram mais uns 2km de estrada de rípio sumindo além dos morros. No meio de um lugar deserto, cercado por montanhas e sem ninguém até onde minha visão alcançava comecei a me preocupar com o pôr do sol pensando em passar a noite caminhando no sul da Patagônia chilena perto do pico Del Paine com 0º graus de temperatura. Voltar não poderia mais, então aproveitei o lugar muito bonito com uma grande sensação de paz e continuei caminhando pedindo à Deus para confortar minha irmã e o Nano. Depois de uma hora de caminhada cheguei no ponto mais alto e nada! Continuei caminhando quando avisto um carro vindo em minha direção. No meio da estrada já comecei acenando com calma meio km antes do carro chegar. Graças à Deus o carro parou e fui explicando bem e com calma a situação. O motorista chileno e sua esposa me chamaram para entrar no carro me levando até a próxima portaria do parque onde pedi socorro pelo rádio.

ISABELA

Era a hora do teste, o Nano virou a chave no contato e a danada da Catarina pegou! Mas o combustível ainda vazava, agora como um chuveiro, procurando as brechas da super bonder e da silver tape. Não tinha mais o que fazer, só esperar. Empurramos o carro para a margem da estrada, mesmo vazando muito combustível precisávamos endireitá-lo, entramos no carro, tirei as botas e meias, escorri bem água e deixei tudo do lado de fora. O Nano ficou muito tempo esfregando meus pés com uma toalha, pra ver se voltava a cor e a sensibilidade enquanto conversávamos sobre o rumo da nossa viagem, sobre o que aconteceria dali para a frente...A noite caiu com vontade, muito negra e fria, mas subia uma luz na curva lá em cima, por um tempo achamos que fossem faróis, nosso socorro, mas ela apareceu em cima de um morro, enorme, amarela, a lua. Atrás os Cerros enormes, cheios de neve, uma das cenas mais lindas que já vi na vida, isso me fazia esquecer o medo e os transtornos que teríamos adiante. Combinamos que voltaríamos a Ushuaia, mas de AVIÃO! E que nunca mais viajaríamos de carro enquanto não tivéssemos um muuuito bom e que mesmo com um muuuuito bom, só em pequenas distâncias. A toalha não estava dando certo, os dedos ainda estavam bem roxos e sem sensibilidade, só quando o Nano tentou com as próprias mãos é que foi esquentando um pouco, então decidimos que eu me enfiaria num saco de dormir. E então, de novo na curva lá de cima, luzes, faróis e uma enorme van que vinha em nossa direção com um Chileno doido e o Pablo dentro...ufaaa!
O tiozinho da portaria onde o Pablo tinha conseguido chegar, depois de muitos contatos por rádio, disse que o CONAF mandaria um mecânico. Só no caminho é que o Pablo descobriu que o cara não era mecânico coisa nenhuma, mas uma espécie de funcionário do Refúgio Las Torres (até hoje não sei o que era o chileno), sei que a coisa se passou bem depressa, meio no susto, o Nano que não queria que eu saísse de dentro do saco e do carro, me arrancou pra fora, enfiei as botas de qualquer jeito, e só entendi que o Chileno nos levaria até o refúgio ou acampamento Las Torres, onde poderíamos passar a noite, a Catarina ficaria abandonada, não dava pra rebocar sem freio, não dava pra ligar se não o combustível vazava todo, no dia seguinte nos mandariam um mecânico e sabe Deus o que seria. O chileno com a van ligada, aquele barulho infernal, rebocando o carro pra cima de um morrinho, minha cabeça girava, putz...os refúgios, famosos pelo seu valor, estávamos ferrados, acampar aquela hora nem pensar, não tínhamos como montar barraca na escuridão e só pra passar algumas horas, além do frio estar insuportável. Se não aceitassem cartão era melhor ficar ali e passar a noite no carro do que virar faxineira de albergue? Na correria, eu pensei em pegar os sacos e nossos travesseirinhos, sabe-se lá como são esses alojamentos, o Nano também pegou a mochila com as jaquetas e sobe o barranquinho correndo pra entrar na van, o chileno tinha pressa! Puxa, mas aquela lua! E minhas fotos jornalísticas? Eu subo correndo, fotografando, quase tomei um “pedala” do Nano, será que o chileno me empresta suas meias secas? Lá fomos nós sentido as Torres, muitas subidas, descidas e curvas...será que o chileno fica muito bravo se eu vomitar na sua enorme van? Chegamos no refúgio/acampamento, fomos despejados da van, devíamos 2500 pesos p/p pelo transporte (pelo menos isso tínhamos) e estejam neste ponto amanhã às 8:00hs que aparecerá o mecânico (até que ele foi bem prestativo)...vamos então ao refúgio, tem vaga, ainda bem, mas não no mesmo quarto e pensa num negócio caro, mas caro! Ficava o valor de um hotel de luxo em Santiago. Fomos conhecer nossas “caminhas”...um quarto lotado, vários “trekkers dorme-sujos” de todas as nacionalidades, nenhum brasileiro, mas tudo gente boa, desencanada, farrista....o quarto estava uma zona, roupas espalhadas por todos os lados, tênis podres, gente falando alto, bebendo vinho, tocando violão, todo mundo é feliz nesses lugares. Acho que meu nariz torcido era notório...legal essa gente toda, de verdade que acho legal, mas infelizmente mesmo não nasci pra isso. Já não é muito fácil conviver 30 dias com dois homens da minha família, agora, suportar ronco, chulé e gases de outros! Acho que não dava hein. Chamei o Nano de canto, uma cochichadinha, dormir só com ele numa barraca, não me parecia tão ruim, o Pablo era da mesma opinião. Além do mais, por higiene é que não seria mesmo, não tínhamos toalha, sabonete, pente, pasta nem escovas de dentes. Fomos conhecer o acampamento, eles alugavam as barracas e graças ao meu estalo nós tínhamos os sacos de dormir. E ainda ficava menos caro! (não dá pra dizer que era barato). O caminho era um breu total, trombávamos em cavalos que teimavam em não sair da frente, tínhamos que atravessar um riozinho (eles estavam me perseguindo hoje), mas estava decidido, era ali que passaríamos as próximas horas, pelo menos teríamos lenha para uma fogueira. O Nano ficou um pouco feliz por que ia jantar no refugio antes de voltar ao acampamento, mas o jantar “acabou de acabar”...rs...alegria dura pouco. “Se quiserem, temos uma sopa!”...lá foram eles comer sopa tipo “vono” e que era servida numa enooooorme xícara! Apesar de estar de estômago vazio, sabia que qualquer coisa que comesse voltaria no mesmo instante, então nem tentei. Convenci o rapazinho a deixar usar seu notebook para dar sinal de vida aos meus pais que já aguardavam no msn ansiosos. Sorte que, um dia antes tinha deixado o número do hotel em Natales com minha mãe e eles ligaram lá para avisar, antes que a dona chutasse nossas malas no lago.
Voltamos ao nosso acampamento e tinha uma enorme e caliente fogueira nos esperando, áh, que maravilha! Tiramos as botas, meias e calças e colocamos tudo pra secar, inclusive nossos pés....uhhhh que calorzinho bom, amputação agora nem pensar! Passamos um bom tempo em volta da fogueira conversando sobre Bruxa de Blair, mulher de branco, loira do banheiro...assuntos agradáveis. E quando olhei pra trás, lá estavam elas, as Torres, bem nas minhas costas, gigantes, imponentes, iluminadas pela lua...nossa, que cena! Eu tive a impressão que Deus estava sentado lá, se divertindo de mim, dizendo: “Ta vendo, passou 10 meses me atormentando que queria estar aqui, agora dá-lhe Torres!”...danadinho Ele. Bom, nós tínhamos que encarar a realidade, nos enfiar naquelas barraquinhas minúsculas e aguardar a agitação do dia seguinte. Primeiro fomos com a lanterna “colocar o Pablo pra dormir”, o Nano voltou à fogueira pra tentar secar mais minhas meias e eu fiquei tentando “ensacar” o Pablo, nenhum dos 3 tinha dormido alguma vez em saco de dormir, então foi uma comédia, tive um acesso de riso de vê-lo naquela situação, mas conseguimos deixá-lo quase que só com o nariz pra fora.
Fui para minha “cabaninha” tentar arrumar uma “caminha” para nós, e o Nano tentando fazer milagre com as meias na fogueira, derreteu a sola da minha bota. Me enfiei na jaqueta mais grossa, mas não deu certo, dentro do saco era eu ou a jaqueta. Amarrei meus pés com a toalha, tentei “ensacar” o Nano, e agora? Quem me ensacava?...Definitivamente nós não nascemos pra isso! Nossas cabeças pendiam para baixo no terreno acidentado, começamos a nos coçar por causa da falta de banho, ríamos de nervoso, batíamos os dentes de frio...tudo indicava que a noite seria longa, muy longa....