15/09/08 (Segunda) – Puerto Natales / Torres Del Paine – 170km












































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































De novo acordo no meio da noite com falta de ar, dor no peito, angústia, vontade de estar em casa. Pôxa, hoje era o dia do Torres, o que eu mais queria e eu assim, derrubadona. Temos enfrentado problemas pessoais diários, impublicáveis, mas não deixamos de aproveitar nenhum dia, mesmo com toda as dificuldades. No caminho do Torres aparece o primeiro lago, enorme, uma bela visão, já que não dá pra mergulhar, pelo menos lavar o rosto pra ver se tiro um pouco dessa nhaca. A água é congelante, congela minhas mãos e rosto e eu adoro essa sensação. Bebo um pouco da água cristalina, pura, mais saborosa que as que temos comprado de garrafa. O Nano, com dor de garganta não pode ter esses prazeres. Na portaria do Torres, mais conversação sobre jogadores de futebol brasileiros...afeee! Depois de alguns km avistamos os primeiros guanacos, áhhhh guanaquinhos, como eu desejei ver vocês de perto! Um monte de fotos, várias tentativas de contato com os danadinhos que nunca deixam a gente se aproximar muito. O rípio aqui é menos batido, muitas pedras, o carro chacoalha muito, muitas curvas, subidas e descidas...a Isabela que é bem fraquinha, enjoa por qualquer coisa, tem piriri por qualquer coisa, começa a passar mal...putz, para o barco que eu vou nadando. Avisto de longe o Lago Pehoé, que emoção, 10 meses vendo ele por revistas e sites e agora eu estava ali bem pertinho, mal posso esperar pra ver as Torres, mas o enjôo estava me matando, cada vez mais forte. Eu não perdia uma foto, mas ninguém conversa mais comigo se não eu vomito. Quando não agüentava mais, paramos no Salto Chico, o Chico salta do carro e eu vou chamar o “Juca” atrás de umas vans estacionadas, os dois só querem ficar falando sobre as vans americanas e tal, e eu zuada. Preciso de frio, água gelada no rosto! Ficamos sentados na beira do lago por um tempo, um silêncio “gritante”, cortado só pelo barulho do vento e o canto dos pássaros, áh, aquele verde da água de doer os olhos, como desejei estar nesse lugar. O Nano queria voltar, ainda tinha um bom chão até o Lago Grey...nem pensar, nem que eu vá de soro endovenoso, mas daqui não saio enquanto não puder ver e gravar em minha mente o máximo de imagens possíveis. Já que não daria tempo de aproveitar o Torres como ele merece, não daria tempo de fazer sequer uma “perninha” do circuito W, eu precisava aproveitar esse dia o máximo possível! E assim seguimos, eu mudinha pra não conversar com o Juca de novo, fazendo minhas fotos, tudo maravilhoso, nenhum metro de imagens feias, muito colírio para os olhos tão cansados do absurdo que é São Paulo. Chegamos ao Hotel do Lago Grey e fizemos uma diminuta trilha até a praia, é impressionante como cada vez vemos coisas e temos sensações mais diferentes nessa viagem. Quando achamos que já vimos de tudo, sempre tem algo para nos surpreender. A extensão de areia era enorme, nem imagino quantos metros a perder de vista, e lá na frente, muito lá na frente, os Icebergs! É claro que tínhamos que chegar até lá. Um casal que ia na direção da água parecia duas formiguinhas aos nossos olhos, mas ainda estavam longe da praia. A caminhada era muito difícil, nunca, em lugar nenhum que passamos, pegamos um vento tão forte. Quando ele soprava contra era difícil demais caminhar e quando ele soprava á favor era difícil manter-se em pé. Teríamos que atravessar dois braços de um rio para chegar à beira da praia, primeiro caminhamos em direção à ele e seguimos seu curso contrário procurando uma passagem, andamos muito e nada, só ilusões de ótica. O Pablo desistiu no meio do caminho e teve a idéia insana de atravessá-lo a pé, não era fundo, mas nem sabíamos onde a água batia. Enquanto caminhávamos lateralmente procurando uma passagem, avistamos de longe ele atravessando, na hora me deu muita raiva, mas depois desencanei e achei mesmo que ele tinha que fazer o que sentia vontade, mesmo que tivesse que amputar os pés por congelamento? (Vó, pula essa parte!) Eu via que a água estava quase na cintura, era o pedaço mais fundo. Nós chegamos até a ponta do caminho e não tinha passagem nenhuma, começamos a voltar e seguir seu curso normal, talvez, na outra ponta. Andamos muito, sempre contra ou à favor do vento, insuportavelmente forte, um barulho ensurdecedor, mesmo gritando muito não conseguíamos ouvir um ao outro, fomos seguindo pegadas, deveria ter uma passagem. O Pablo, já do outro lado, berrava empolgado para nós também atravessarmos, acho que ele tinha gostado dessa coisa de congelamento.

POR PABLO

O rio atravessava de uma ponta a outra da área e como eu estava no meio, preferi atravessá-lo a pé para não perder tempo. A água estava muito fria e chegou a bater na altura da coxa. Quando saí, não estava sentindo meus pés e com a temperatura muito baixa achei que iriam congelar, então aproveitei o fraco calor do sol e o vento muito forte andando e mexendo os dedos dos pés que, começaram a melhorar.

ISABELA

Chegamos na outra ponta e para nossa decepção não havia passagem, só era mais raso, molharíamos no máximo até as canelas. (TUDO ISSO POR QUE SOMOS MUITO BANANAS! Explico adiante) Bom, fim do caminho, quem vai e quem fica? O Nano deu meia volta, emburrado, irritado e disse para eu ir sozinha que ele voltaria para o carro, estava com muita dor de garganta e achava uma loucura se enfiar naquela água semi-congelada e depois ainda dirigir quase 200km, molhado, até Natales. Eu concordava em gênero, grau e número com ele, mas por outro lado não podia perder essa oportunidade, eu precisava chegar mais perto do gelo. Sinto muito Nano, eu vou! Ele esperou eu atravessar o riozinho, me ajudou a achar passagens mais rasas, viramos as costas e cada um seguiu para um lado. Depois de andar muito na direção onde o Pablo me esperava, com dor no coração vi o Nano sumir como uma formiguinha pela trilha de volta. O que eu não esperava é que o outro braço de rio, por onde o Pablo tinha atravessado quase pela cintura, só dava pra ser atravessado por lá! Não tinha lugar mais raso. Ele gritava do outro lado um monte de coisas que eu não ouvia e nas palavras levadas pelo vento só entendi: “Por aqui, não!” A imagem dali era mais bonita, quanto gelo! Eu tinha dois dilemas, não podia nadar, nadar e morrer na praia, literalmente, e também não podia deixar o Nano fora dessa, mas também não podia forçar ele a entrar na água. Tinha que ter outro jeito, apesar de várias pegadas me provarem que as pessoas atravessavam o rio, também via muito longe outras formiguinhas indo em direção à umas árvores, o que me pareceu uma trilha, depois do rio. O Pablo também não enxergava, mas achava que podia ser. Então pedi pra ele esperar que, eu ia voltar tudo e de um jeito ou de outro voltaria com o Nano. E foi o que fiz, muito vento, muita areia, muitas pedras, atravessa rio, anda, anda, trilha, chego perto do carro e o Nano belo e quentinho fazendo uma boquinha, com a maior de cara de :”Já? Era só isso?” Eu, toda emotiva né, cheia de argumentos, falando das coisas belas da vida, de não desistirmos e ele com a maior cara de paisagem, abocanhando seu lanchinho e me dizendo:”tá, se tiver uma trilha eu vou, mas na água não entro” ...e é claro que tinha uma trilha! Bem estruturada por sinal, até com makete do lago e uma ponte pra atravessar o rio, lógico! Atravessar rio de água congelante, só os patetas mesmo. Depois de mais uma boa caminhada, chegamos ao Pablo e juntos, finalmente, fomos até a beira da água! Que lugar impressionante! Os Icebergs pertinho da gente, de todo os tamanhos....áh, eu precisava sentir aquilo! Só ver já não bastava. Eu estava ensopada mesmo, meus pés nadavam dentro das botas, então, o que é mais uma congeladinha pra quem já está anestesiada, mesmo? Eu pude ver bem de perto como é mesmo a formação dos Icebergs, mesmo os pequenininhos, pedras de gelo que a gente carrega nos braços, realmente, a parte que aparece na superfície é muito menor comparada à que está submersa e você não enxerga o que está submerso. Os pequenos parecem cristais, formados por vários quadradinhos que reluzem aos olhos, os grandes, são massas de gelo bem azuis. Dá um acessozinho de loucura, a gente grita, pula, canta e dança, chupamos e mastigamos muito gelo. A dor era muito forte, a sensação de muitas facas entrando nas minhas pernas (já tinha sentido algo parecido num mergulho rápido que dei em Visconde de Mauá, onde a temperatura da água era de 4 graus) mas dessa vez era muito mais forte (coitado do Jack, namoradinho da Rose, do Titanic), o Nano me arrancou da água, o Pablo não entrou dessa vez, não quis mais brincar de se congelar (ainda bem, por tudo o que aconteceu depois) . Dei uns pulos, a dor foi passando e fui deixando de sentir os pés, sem dor, sem pés. Começamos a voltar, procurando pedras de formatos diferentes, guardando os seixos nos bolsos das calças, uma lembrança daquele dia. Ainda bem que, logo estaríamos no nosso hotel quentinho, tomando um banho quentinho, jantando uma sopa quentinha (áh, se soubéssemos o que nos aguardava). Eram 16:30hs quando o Pablo propôs que ficássemos mais um pouco, sentados nos seixos observando aquela perfeição de Deus. Não dava, estávamos congelando, ainda tinha uns 200km de estrada de rípio e eu ainda queria ver as Torres mais de perto, na volta. Meu enjôo tinha passado por completo e agora eu sentia muita fome! No carro tirei as botas, escorri um pouco da água de dentro delas, torci as meias, o Nano ligou o ar quente nos meus pezinhos azuis e eu saboreei meu lanchinho velho que tinha guardado do café da manhã do hotel. Pegamos outro caminho, para ver as Torres mais de perto, o rípio era mais agressivo, pedras maiores e mais soltas.........e então......como alegria de congelado dura pouco, logo depois de uma curva, numa subida, a luz da injeção acende, o carro perde a força e morre. O Nano botou a testa no volante e disse: “Áh não Meu Deus, agora não!” Meu lanchinho velho voltou todinho na guela e eu segurei o “Jucão”, o Pablo, sempre muito filosófico só soltou um: “Puta merda!”...Calma, respiremos fundo, o Nano abre o capô, dá uma mexidinha no chicote e tenta ligar o carro, NADA! Mas sente um cheiro muito forte de gasolina, desce, olha em volta e solta um “F...DEU”! Em alto e bom som. Estourou o filtro de combustível! Bom, eu sabia que tinha de fazer minha parte que, consistia em engolir o “Juquinha” que teimava em querer sair, não ter enxaqueca, vestir minhas meias e botas ensopadas e ficar quietinha, mesmo com a sensação que passaria muito tempo com elas nos pés. O Nano ia tentar virar o carro para baixo, para empurrarmos e pegar no tranco, mas quando ele virou a chave no contato para soltar a direção, nós gritamos de fora:”pára, pára, pára” o combustível esguichava com força total! Daí piorou, porque o carro ficou atravessado na estrada, na diagonal e daquele jeito tinha que ficar.

POR NANO

Não é possivel! Sim, é possível e acreditem se quiserem, vi tudo neste carro antes
de comprá-lo para essa viagem, sò não vi que o filtro de combustível era exatamente debaixo do carro. Para um carro que vai rodar quase 1000 km no rípio, isso não é nada bom, então aconteceu o que eu temia, bateu uma pedra e ele quebrou, mas fiquei feliz por não ser o problema da injeção, esse sim seria uma dor de cabeça, dentro daquele parque enorme e sem nenhum tipo de socorro.

ISABELA

Bom, eu pensei, tenho um mapa, vou caminhar até a próxima portaria e pedir socorro, mas não tinha idéia de quantos km seriam, mas isso era o de menos, uma hora eu chegava, mas eles não deixaram e o Pablo quis ir sozinho. Não tinha outro jeito, ele ia enquanto o Nano tentava arrumar de algum jeito. Ele se enfiou embaixo do carro e lá ficou por horas, tentando soltar o filtro, tentando fazer alguma gambiarra, mas o frio era demais, a tarde já tinha caído por completo e a noite dava seus primeiros sinais. Eu só podia ajudar como sinalizadora e instrumentadora, ainda bem que sempre faço uma mochila só de kit sobrevivência, super bonder, silver tape, tesoura, lanterna, agulha, tudo o que acho que pode ser útil, até bússola a louca leva. E foi meu kit sobrevivência que deu uma “ajudada”, primeiro muita super bonder, depois muita silver tape...Eu percebia que as mãos do Nano estavam mudando de cor, enquanto eu estava agaichada segurando a lanterna embaixo do carro, comecei a sentir “coisas” diferentes nos pés, uma espécie de choque, formigamento, só pensava que estava ferrada. Daí começou de fato a anoitecer e eu comecei a ficar muito preocupada com o Pablo, lembrei que ele ainda estava com pés e botas molhados, apenas com uma jaqueta fina, sem comer nada o dia inteiro, sem água, sem lanterna, sem mapa...que m...Fiquei muito tempo andando em círculos na estrada, olhando para os Cerros Espada, Hoja, Máscara (eu acho) que, juntos formavam uma enorme montanha, bem ali nas nossas costas, quase que nos engolindo e pensando em mil coisas...quase toda a nossa bagagem estava no hotel em Natales, onde fecharíamos a conta na manhã seguinte, eu nem sei onde estaríamos na manhã seguinte. Não tínhamos água, nem comida, nem fogareiro, nem roupas, nem produtos de higiene...tudo no hotel. No carro, ficaram barracas, colchonetes, isolantes térmicos, uma mochila com jaquetas mais grossas e o kit sobrevivência...bom, dava pra passar fácil com tudo isso, mas eu trocava tudo por um par de meias secas. Pensava que Ushuaia já era, e era mesmo porque não teríamos mais tempo, nem dinheiro, além de ser loucura pegar estrada de rípio novamente, com aquele filtro ridículo desprotegido e embaixo do carro. Pensava como faríamos pra sair dali, talvez nos rebocassem até alguma portaria, onde passaríamos a noite dentro do carro, pela manhã iríamos de ônibus até Natales, 160km, e voltaríamos com o filtro e um mecânico....bom, já pensava em arrumar um emprego de pastora de ovelhas para arcar com tantas despesas. Detalhe: Tentamos cambiar no domingo, mas só tinha um tiozinho que fazia câmbio particular, na casa dele e pediu para voltarmos na segunda, pois ele não tinha a cotação. O dinheiro que tínhamos era suficiente para passarmos o dia no Torres e na volta, iríamos à casa dele cambiar...isso piorava só um pouquinho nossa situação. Enquanto esperávamos as colas secarem, cada um ia para um lado e subíamos em pequenos montes tentando avistar algo, mas a paisagem era sempre a mesma, montanhas, gelo, estrada, guanacos e lagos a perder de vista...nada do Pablo, nem portarias, nem viva alma. A noite veio com vontade, junto com ela um frio assustador, de verdade que eu não sentia os dedos dos pés! Vi um par de faróis surgindo na curva lá em cima e enquanto o Nano estava embaixo do carro eu sinalizava que nem louca com a lanterna. Um casal muito gente boa parou e avisou que o Pablo tinha conseguido chegar numa portaria, que eles estavam contatando o CONAF para trazer algum tipo de ajuda....putz, que alívio!

POR PABLO

O carro parou. Tínhamos andado por volta de 20km e me prontifiquei de ir logo andando a pé pela estrada para não perder tempo, pois já eram cinco horas da tarde e não tinha idéia de quanto eu teria que percorrer para achar ajuda. Depois de uns 2km percorridos, estava ansioso para avistar algo logo acima de uma elevação, mas o que aparecia lá embaixo eram mais uns 2km de estrada de rípio sumindo além dos morros. No meio de um lugar deserto, cercado por montanhas e sem ninguém até onde minha visão alcançava comecei a me preocupar com o pôr do sol pensando em passar a noite caminhando no sul da Patagônia chilena perto do pico Del Paine com 0º graus de temperatura. Voltar não poderia mais, então aproveitei o lugar muito bonito com uma grande sensação de paz e continuei caminhando pedindo à Deus para confortar minha irmã e o Nano. Depois de uma hora de caminhada cheguei no ponto mais alto e nada! Continuei caminhando quando avisto um carro vindo em minha direção. No meio da estrada já comecei acenando com calma meio km antes do carro chegar. Graças à Deus o carro parou e fui explicando bem e com calma a situação. O motorista chileno e sua esposa me chamaram para entrar no carro me levando até a próxima portaria do parque onde pedi socorro pelo rádio.

ISABELA

Era a hora do teste, o Nano virou a chave no contato e a danada da Catarina pegou! Mas o combustível ainda vazava, agora como um chuveiro, procurando as brechas da super bonder e da silver tape. Não tinha mais o que fazer, só esperar. Empurramos o carro para a margem da estrada, mesmo vazando muito combustível precisávamos endireitá-lo, entramos no carro, tirei as botas e meias, escorri bem água e deixei tudo do lado de fora. O Nano ficou muito tempo esfregando meus pés com uma toalha, pra ver se voltava a cor e a sensibilidade enquanto conversávamos sobre o rumo da nossa viagem, sobre o que aconteceria dali para a frente...A noite caiu com vontade, muito negra e fria, mas subia uma luz na curva lá em cima, por um tempo achamos que fossem faróis, nosso socorro, mas ela apareceu em cima de um morro, enorme, amarela, a lua. Atrás os Cerros enormes, cheios de neve, uma das cenas mais lindas que já vi na vida, isso me fazia esquecer o medo e os transtornos que teríamos adiante. Combinamos que voltaríamos a Ushuaia, mas de AVIÃO! E que nunca mais viajaríamos de carro enquanto não tivéssemos um muuuito bom e que mesmo com um muuuuito bom, só em pequenas distâncias. A toalha não estava dando certo, os dedos ainda estavam bem roxos e sem sensibilidade, só quando o Nano tentou com as próprias mãos é que foi esquentando um pouco, então decidimos que eu me enfiaria num saco de dormir. E então, de novo na curva lá de cima, luzes, faróis e uma enorme van que vinha em nossa direção com um Chileno doido e o Pablo dentro...ufaaa!
O tiozinho da portaria onde o Pablo tinha conseguido chegar, depois de muitos contatos por rádio, disse que o CONAF mandaria um mecânico. Só no caminho é que o Pablo descobriu que o cara não era mecânico coisa nenhuma, mas uma espécie de funcionário do Refúgio Las Torres (até hoje não sei o que era o chileno), sei que a coisa se passou bem depressa, meio no susto, o Nano que não queria que eu saísse de dentro do saco e do carro, me arrancou pra fora, enfiei as botas de qualquer jeito, e só entendi que o Chileno nos levaria até o refúgio ou acampamento Las Torres, onde poderíamos passar a noite, a Catarina ficaria abandonada, não dava pra rebocar sem freio, não dava pra ligar se não o combustível vazava todo, no dia seguinte nos mandariam um mecânico e sabe Deus o que seria. O chileno com a van ligada, aquele barulho infernal, rebocando o carro pra cima de um morrinho, minha cabeça girava, putz...os refúgios, famosos pelo seu valor, estávamos ferrados, acampar aquela hora nem pensar, não tínhamos como montar barraca na escuridão e só pra passar algumas horas, além do frio estar insuportável. Se não aceitassem cartão era melhor ficar ali e passar a noite no carro do que virar faxineira de albergue? Na correria, eu pensei em pegar os sacos e nossos travesseirinhos, sabe-se lá como são esses alojamentos, o Nano também pegou a mochila com as jaquetas e sobe o barranquinho correndo pra entrar na van, o chileno tinha pressa! Puxa, mas aquela lua! E minhas fotos jornalísticas? Eu subo correndo, fotografando, quase tomei um “pedala” do Nano, será que o chileno me empresta suas meias secas? Lá fomos nós sentido as Torres, muitas subidas, descidas e curvas...será que o chileno fica muito bravo se eu vomitar na sua enorme van? Chegamos no refúgio/acampamento, fomos despejados da van, devíamos 2500 pesos p/p pelo transporte (pelo menos isso tínhamos) e estejam neste ponto amanhã às 8:00hs que aparecerá o mecânico (até que ele foi bem prestativo)...vamos então ao refúgio, tem vaga, ainda bem, mas não no mesmo quarto e pensa num negócio caro, mas caro! Ficava o valor de um hotel de luxo em Santiago. Fomos conhecer nossas “caminhas”...um quarto lotado, vários “trekkers dorme-sujos” de todas as nacionalidades, nenhum brasileiro, mas tudo gente boa, desencanada, farrista....o quarto estava uma zona, roupas espalhadas por todos os lados, tênis podres, gente falando alto, bebendo vinho, tocando violão, todo mundo é feliz nesses lugares. Acho que meu nariz torcido era notório...legal essa gente toda, de verdade que acho legal, mas infelizmente mesmo não nasci pra isso. Já não é muito fácil conviver 30 dias com dois homens da minha família, agora, suportar ronco, chulé e gases de outros! Acho que não dava hein. Chamei o Nano de canto, uma cochichadinha, dormir só com ele numa barraca, não me parecia tão ruim, o Pablo era da mesma opinião. Além do mais, por higiene é que não seria mesmo, não tínhamos toalha, sabonete, pente, pasta nem escovas de dentes. Fomos conhecer o acampamento, eles alugavam as barracas e graças ao meu estalo nós tínhamos os sacos de dormir. E ainda ficava menos caro! (não dá pra dizer que era barato). O caminho era um breu total, trombávamos em cavalos que teimavam em não sair da frente, tínhamos que atravessar um riozinho (eles estavam me perseguindo hoje), mas estava decidido, era ali que passaríamos as próximas horas, pelo menos teríamos lenha para uma fogueira. O Nano ficou um pouco feliz por que ia jantar no refugio antes de voltar ao acampamento, mas o jantar “acabou de acabar”...rs...alegria dura pouco. “Se quiserem, temos uma sopa!”...lá foram eles comer sopa tipo “vono” e que era servida numa enooooorme xícara! Apesar de estar de estômago vazio, sabia que qualquer coisa que comesse voltaria no mesmo instante, então nem tentei. Convenci o rapazinho a deixar usar seu notebook para dar sinal de vida aos meus pais que já aguardavam no msn ansiosos. Sorte que, um dia antes tinha deixado o número do hotel em Natales com minha mãe e eles ligaram lá para avisar, antes que a dona chutasse nossas malas no lago.
Voltamos ao nosso acampamento e tinha uma enorme e caliente fogueira nos esperando, áh, que maravilha! Tiramos as botas, meias e calças e colocamos tudo pra secar, inclusive nossos pés....uhhhh que calorzinho bom, amputação agora nem pensar! Passamos um bom tempo em volta da fogueira conversando sobre Bruxa de Blair, mulher de branco, loira do banheiro...assuntos agradáveis. E quando olhei pra trás, lá estavam elas, as Torres, bem nas minhas costas, gigantes, imponentes, iluminadas pela lua...nossa, que cena! Eu tive a impressão que Deus estava sentado lá, se divertindo de mim, dizendo: “Ta vendo, passou 10 meses me atormentando que queria estar aqui, agora dá-lhe Torres!”...danadinho Ele. Bom, nós tínhamos que encarar a realidade, nos enfiar naquelas barraquinhas minúsculas e aguardar a agitação do dia seguinte. Primeiro fomos com a lanterna “colocar o Pablo pra dormir”, o Nano voltou à fogueira pra tentar secar mais minhas meias e eu fiquei tentando “ensacar” o Pablo, nenhum dos 3 tinha dormido alguma vez em saco de dormir, então foi uma comédia, tive um acesso de riso de vê-lo naquela situação, mas conseguimos deixá-lo quase que só com o nariz pra fora.
Fui para minha “cabaninha” tentar arrumar uma “caminha” para nós, e o Nano tentando fazer milagre com as meias na fogueira, derreteu a sola da minha bota. Me enfiei na jaqueta mais grossa, mas não deu certo, dentro do saco era eu ou a jaqueta. Amarrei meus pés com a toalha, tentei “ensacar” o Nano, e agora? Quem me ensacava?...Definitivamente nós não nascemos pra isso! Nossas cabeças pendiam para baixo no terreno acidentado, começamos a nos coçar por causa da falta de banho, ríamos de nervoso, batíamos os dentes de frio...tudo indicava que a noite seria longa, muy longa....

14/09/08 (Domingo) – El Calafate / Puerto Natales – 370km






















Perdemos um tempão para sair de Calafate, pois o sistema de tarjetas estava fora, o Nano já meio estressadinho, normal. Decidimos novamente fazer o caminho mais longo para não pegar a 40, voltamos a Esperanza onde paramos para abastecer e comprar algo para comer, (só eles, eu não como mais esses lanches horríveis da estrada, aprendi a fazer um lanchinho de tostadas com queso nos desayunos dos hotéis e guardar na minha lancheirinha para almoçar mais tarde) inclusive, o Nano pode constatar quando mordeu sua pedra, ou melhor, seu lanche, que, eram os mesmos que estavam lá quando passamos há dias atrás. De lá, pegamos a ruta 7 que está pavimentada, mas nos mapas ainda não aparece e quando chegamos no miolo de cidadezinhas por onde se sai da Argentina para o Chile, nos perdemos. Fomos sentido El Turbio, estrada de rípio no meio do nada, vimos uma casinha de posto policial e claro, seria a melhor pessoa para nos orientar, mas acho que o “Seu Guarda” ficou tão desorientado quando viu aquele carro imundo, do Brasil, naquele fim do fim do mundo, o frio estava de lascar e eu não queria descer do carro, mas o Nano teve que me chamar para portunhar com o carinha, ele parecia um cachorro do mato, assustado, falava pra dentro, olhava de rabo de olho, eu achava que qualquer hora ele me dar um golpe de karatê...caminho explicado, quem disse que o guardinha deixava a gente ir embora? Queria nossos documentos para averiguação, entrou na casinha e não saiu nunca mais, deve ter passado rádio até para a Casa Branca e o frio nos rachando! Falei para o Pablo continuar mudinho dentro do carro, porque ele não o tinha visto, se não, seria mais uma bateria de averiguações. Enfim, liberados, achamos o caminho certo, passamos por Rio Turbio, cidade de mineração, tudo cinza, muito frio, muito fim do mundo. Cada vez mais somos atração turística, todos os frentistas, moleques na rua, tiozinhos que dão informação, guarda-parques...enfim, todos querem saber de onde estamos vindo, quanto tempo viajando, se o carrinho é bom, Ronaldinho, Kaká, Ronaldinho, Kaká...não agüento mais ouvir falar de futebol brasileiro por onde passsamos...Sempre tem àqueles tiozinhos que querem tirar um sarro do jogo que o Brasil perdeu do Chile, fazem suas piadas e arreganham àquelas gengivas murchas, sem dentes, numa gargalhada gostosa...eu me divirto. Fronteira, frio rachando, cachorrinhos de rua sempre muito amigos do Pablo que deitam suas barriguinhas pulguentas pra ele coçar, burocracia, formulários, carimbos, Espanhol ferrado....Nano, está na hora de decidir! Natales está próximo, vamos direto ao Torres acampar, como combinado, usar todas as tralhas que estamos carregando desde SP?...Hmmm, um olha pra cara do outro, os dois olham pela janelinha da aduana, vários metros de neve lá fora, olham de novo um pra cara do outro, o Nano fala, “ta, vamos acampar” quase que num sussurro, percebi que era para me agradar (ele sabia que o Torres é meu maior desejo na Patagônia, mais do que qualquer lugar), eu pensei, olhei de novo pra neve e falei pra ele: “sem televisão, sem banho quente, sem calefação, sem caminha macia e cheirosa?”...Putz, são por essas coisas que estamos juntos, não rola né? Vambora procurar um hotelzinho quentinho e depois a gente vê o que faz com o Torres.
É isso aí Gui, Wagner, Fernanda, Felipe, Diógenes...nós não somos de nada! Quando a neve bate na b... a gente corre! Valeu a colaboração, mas trouxemos todo o equipamento de vocês pra passear na Patagônia, pois estamos num belo e quente hotelzinho em Natales, de frente para o lago (isso é um lago?), vida boa.