19/09/08 (Sexta) – Ushuaia / Puerto San Julian – 936km





































Hoje sim, efetivamente começaríamos uma nova viagem, talvez não tão emocionante, porém não menos interessante que a descida. Começaríamos a subir rumo ao Brasil, pátria querida. Como no dia anterior não nos cansamos muito, pois não estávamos na estrada, curtimos a tranqüilidade da hospedage à noite e dormimos um pouco mais cedo, o que nos permitiu sair também um pouco mais cedo e era muito necessário, pois minha meta era Puerto San Julian, uns 950km de Ushuaia, mas teríamos que atravessar os Andes mais uma vez, pegar muita estrada de rípio em baixa velocidade, aguardar o ferry boat, atravessar o Estreito de Magalhães, o querido! E passar por somente e nada mais do que 4 ADUANAS!...Mas meta é meta! Nosso tempo era curto e não nos dávamos mais o direito de abrir “exceções” (a não ser por uma em especial que eu ainda tinha em mente, mas ainda teria que desfiar minha lábia em cima do Nano).
Adeus Ushuaia, cidade do fim do mundo, ainda volto aqui para visitar a Antártida, me aguarde!
Na volta, ainda passamos nos Lagos Fagnano e Escondido, cartões postais de Ushuaia e no Fagnano, tivemos a agradável surpresa de encontrar uma “guia”, e o melhor, serviço gratuito! Uma cadela muito fofa, como todas do mundo, que nos recepcionou na descida do carro, nos levou até seu filhote “um gatinho”! (Pasmém) E depois nos mostrou o Lago, nos acompanhou pela margem, depois por um pequeno píer, posou para fotos e despediu-se enquanto lambia seu filhote. Na estrada, aconteceu um episódio que estava se repetindo, mas eu ainda não tinha postado no blog para não preocupar a família...a luz da injeção acesa de novo! Isso tinha acontecido já duas vezes em Bariloche, na subida ao Cerro Catedral e quando estávamos indo embora, mas a diferença é que o carro não perdia força, porém, não ficamos menos tensos por isso. Só que dessa vez, resolvi ter um olhar mais clínico, reparei que o ponteiro da temperatura estava abaixo do último traço, o que não é nada normal, em SP o ponteiro está sempre na metade do caminho, nessa viagem ele andava bem pra baixo, mas nunca tinha reparado cair além do último traço, isso significava, pelo menos na minha cabeça, que a temperatura lá fora estava muito negativa. Fiquei um tempo reparando sem nada dizer ao Nano e resolvi fazer um teste...foi positivo, quando o ponteiro da temperatura subia um pouquinho e passava do último traço, a luz da injeção apagava...ufaaa, era isso?! Falei com o Nano e ele disse que estava reparando na mesma coisa. Hoje, penso, foi uma irresponsabilidade não termos comprado líquido anti-congelante, pensávamos, mas sempre enrolamos, não sei como a água do radiador não congelou....mas nós já estávamos nos acostumando com o frio, principalmente depois do que passamos no Torres que, nem sentíamos mais quando estava muito abaixo de zero. Pegamos uma velocidade boa no pavimento, para enfrentar o temível rípio. Aquela burocracia toda pra sair da Argentina e entrar no Chile e vamos nós chacoalhar de novo. Hoje estava mais tranqüilo do que na vinda, quando dirigimos nela à noite, pelo volume de caminhões, agora, pela manhã, tinha bem menos. Não se vê carros pequenos, a Catarina se sobressai, vira atração turística, somente caminhões e caminhonetes (a maioria bem invocadas), mas os motoristas são impiedosos, vêm com muita velocidade e temos que nos proteger do rípio que voa no pára-brisa. Antes de viajar, eu sabia da importância de uma tela protetora, mas não se acha isso no Brasil, além do que, precisaríamos ser milionários e ter todo o tempo do mundo para providenciar tudo o que todo mundo julga necessário. Também, na viagem inteira, não vi nenhum carro com a tela. O Nano foi com todo cuidado possível, sempre dando farol para os motoristas enlouquecidos que vinham em nossa direção, quando, ainda assim não conseguia êxito, ele literalmente jogava a Catarina na frente dos outros carros até que eles reduzissem e junto com suas manobras sempre vinha a frase: ”Devagar filhinho, vai com calma, assim não”....Se passaram 300 carros por nós, 300 vezes ouvi ele dizer isso, já não aguentava mais. E deu certo! Tão certo, que nos últimos 10km, quase chegando no asfalto, um policial fdp chileno louco, numa caminhonete do governo, paga com os impostos do povo, correndo bastante para a marmita não esfriar, fez voar uma pedra no nosso pára-brisa, e como não podia ser diferente, nosso vidro quebrou, claro! Tá, não foi muito, ainda bem, trincou no formato de uma bela “estrela”, mas quebrou, caramba! Atravessamos mais uma vez o Estreito de Magalhães, imaginando a “Trinidad” de Fernão navegando pelas mesmas águas, despedindo-me do canal que une Pacífico com Atlântico...Os campos minados dessa região nos chamam atenção, sempre bem sinalizados, porém, campos minados. Somente resquícios de brigas entre Argentina e Chile ou ainda uma imposição de respeito?
Pé na estrada de novo, segundo o Nano “chega de rípio nessa viagem” (ahhã, ele nem imagina o que o aguarda mais para cima, porém, calma Isabela, tudo se consegue na hora certa, por hora, apenas concorde), mais uma fronteira, dessa vez bem tranqüila, sair do Chile e entrar na Argentina é fácil (áh, se a gente soubesse a dor de cabeça que teria mais pra frente por causa disso). Na Argentina, estava no banheiro de um posto de gasolina, o Nano fazendo guarda na porta, que nunca fecham! Estava saindo quando ouvi uma “argentineti pirigueti” puxando conversa com ele, fiquei esperando pra ver qual era a dela, quando ela soltou um “ai, que lindo!”, saí com tudo e perguntei o que era lindo?...os detalhes deixa pra lá, sem querer ela teve um castiguinho e nós voltamos pra estrada dando boas risadas. Bom, o negócio agora é focar e tentar chegar a Puerto San Julian, eu tinha expectativas para essa cidade...hummm...Chegamos, por volta das 23:00hs, exaustos, famintos, sonhando com um banho, novidade né. Fui direto a um hotel, indicação de um amigo do mochileiros, era 4 estrelas, nós estávamos na contenção de custos, mas não tínhamos condições físicas de ficar rodando a procura de hotel. Porééééém, como cansaço pouco é bobagem, se não tinha vaga no melhor hotel da cidade, imagina nos outros mais baratos! Rodamos muito e nada! No último, acho que o recepcionista ficou com tanta dó ao ver meu estado que, pegou uma lista e ligou em TODOS os hotéis da cidade e é óbvio que TODOS estavam lotados. Fomos informados que chegamos bem no dia da principal festa da cidade e....tome! 365 dias no ano e tínhamos que chegar numa cidade desconhecida, lá pela meia noite justo no dia da bendita festa. Eu tive certeza que dormiríamos no carro, não tinha saída. Mas ele nos propôs umas cabanas, que ficavam na saída da cidade, a coisa era tão de primeira linha, que nem telefone eles tinham para ligarmos dali, beleza, fomos pessoalmente. Lugar esquisito, tipo uns chalés, sem ninguém pra atender, num chute tocamos a capainha de qualquer um e bingo! Lá estava a moça que alugava e seu cachorrinho muito bonitinho, mas com dor de barriga, fazendo cocozinho perto do meu pé, áh, como essas coisas me deixam feliz! Não tinha outro jeito, não tinha pra onde correr, era ali, ou carro. A casinha era um pouco afastada dali e o carro tinha que ficar, então andamos por um terreno, passamos por uma cerca de arame farpado (com as malas, algumas), eu resmungando, o Nano de cara feia pra mim...era uma casinha no fundo de um quintal, na periferia, duas beliches com colchões xexelentos, o box do banheiro xexelento tinha 40cm de largura, juro! A água não esquentava, o Pablo foi a cobaia, uma hora da manhã, frio de lascar, eu e o Nano no stress, quer saber, daqui a pouco me acostumo com essa coisa de não tomar banho, me joguei na cama de cima sem falar com ninguém e bodeei...amanhã é um novo dia!

18/09/2008 (Quinta) – Ushuaia


















































































































































































































































































































































































































































































































































































Café da manhã panorâmico na hospedage, com vista de quase toda Ushuaia. Manhã fria, de Sol, dia lindo, rosto doendo por causa do frio e alívio para a alma, frrrio, muito bom o frrrrio!!! Estávamos cansados e no dia seguinte começaríamos a subida, então decidimos não realizar grandes esforços nesse dia. Fomos à um locutório dar as boas novas ao Brasil e em seguida passeamos pela Av. Costanera (Maipú), conhecemos o Porto de Ushuaia, fizemos fotos na famosa e tão conhecida placa do “Fin Del Mundo”, com a sensação incrível de que tínhamos conseguido, o sabor da vitória é indescritível!...Conhecemos o principal cartão postal da cidade, que é pura história, o navio rebocador Saint Christopher, encalhado na baía da cidade. Ele chegou em 1953 para tentar resgatar o navio de passageiros Monte Cervantes, que estava afundando (nas proximidades do Parque Nacional, não sei exatamente onde, pois não fizemos o passeio pelo Canal de Beagle). Não tendo êxito, o rebocador sofreu danos irreparáveis, encalhou na baía e hoje faz parte da paisagem da cidade. Ushuaia (baía que penetra até o poente, na língua dos índios yamanas), fica incrustada entre montanhas e mar, bucólica, com construções tipicamente européias. Seu Porto, possui águas profundas, o mais próximo da Antártida, parada obrigatória para navios que partem com este destino. Nesse dia estavam atracados no Porto somente navios cargueiros, da Argentina, Chile, Chipre e Libéria.
Depois da visita rotineira a uma casa de câmbio, resolvemos nos dar um almoço de reis e rainha, procuramos um bom restaurante, estávamos famintos e quando vimos aquele cordeiro girando na brasa, parecíamos personagens de desenho animado, com os olhos esbugalhados e a língua no chão. Experimentamos a “Parrillada” prato típico Argentino, um jeito diferente de fazer churrasco, a “las brasas”, composto por diferentes miúdos de boi, lingüiças embutidas (como o chorizo, eca!) e o cordeiro (hummm), nem preciso dizer que dispensamos tudo e ficamos só com o cordeirinho, desculpe, tão fofinho, mas tão gostosinho. Brindamos a nossa conquista e fomos bater pernas em busca de regalos...descobrimos como Ushuaia é cara, mas o passeio pela San Martin foi muito bom. Depois fomos ao Museu do Fim do Mundo, onde pudemos conhecer um pouco do passado fueguino. A boa, foi termos conhecido na entrada do Museu um casal brasileiro, de Curitiba, gente muito boa! Engrenamos numa conversa animada sobre nossas impressões do povo argentino e nossa aventura de carro (esperamos que eles se animem e realizem a mesma empreitada) ...A visita começa pelo Marítimo, onde tivemos a grata e emocionante surpresa de logo de cara nos depararmos com o Mapa Mundi com o qual Fernão se guiou para encontrar um passo que unisse o Mar Atlântico com o Pacífico, o Lopo-Homem, datado de 1519 e uma réplica em miniatura da “Trinidad”, a Nao de Fernão, assim como a “Catarina” do Chicão, onde ele tentou dar a volta ao mundo. Depois de descobrir o Estreito de Magalhães (naquela época batizado como “Todos os Santos”) e seguir viagem pelo Pacífico, ele morreu nas Filipinas, numa batalha com nativos. A Expedição que deu a volta ao mundo, partiu com 5 Naos e 266 homens, porém, a única que concluiu a viagem foi a “Victória”, chegando na Espanha em dezembro de 1522 com apenas 17 dos 266 homens que, morreram por doenças e em batalhas.
Quando Fernão adentrou o Estreito, avistou uma paisagem avermelhada, incandescente, embaçada pela bruma do inverno que cobria aquela noite, eram as fogueiras dos índios Onas, únicos habitantes da região, que mantinham fogueiras acessas para protegerem-se do intenso frio, por isso, Fernão batizou o lugar de Terra do Fogo. Eles foram extintos, claro, pela presença do homem branco! Estavam acostumados a viverem nus, mesmo com tanto frio, ao redor das fogueiras. Com a chegada dos europeus, começaram a usar roupas, passavam a maior parte do tempo com elas úmidas, aqueciam-se nas fogueiras, voltavam a ficar úmidos e foram contraindo doenças como tuberculose e pneumonia, além das disputas territoriais. Então, passamos ao museu do ex-presídio...em 1896 chegou o primeiro grupo formado por 14 presidiários, assim iniciou-se o Cárcere de Reincidentes, construído de forma provisória em casas de madeira e chapa. O presídio foi construído pelos próprios presidiários, com ferramentas muuuito precárias, porém, considerado de segurança máxima, para condenados de penas pesadas ou prisão perpétua. A disciplina era severa e baseada no trabalho retribuído, assim foi construída Ushuaia, pelos presidiários, Porto, hospital, prédio do correio, ruas, pontes, edifícios, exploração das florestas, e a linha férrea! Além da primeira imprensa, telefone, eletricidade, bombeiros....uau! Nossos Presidentes podiam aprender um pouco em Ushuaia! Foi interessante conhecer a história dos principais presidiários, seus crimes, suas tentativas de fuga, sempre sem êxito, pois o presídio foi construído em cima de rocha! Os que conseguiam, com a ajuda de guardas, se não fossem pegos pelos carabineiros do Chile, ironicamente voltavam, pois não agüentavam o frio e a fome. Um dos pavilhões foi mantido totalmente original, durante a visita estávamos só nós 3! Foi sombrio e assustador imaginar as coisas que se passaram naquelas celas e corredores.
Saímos de lá já estava caindo a noite e decidimos hibernar o resto das horas e curtir a hospedage. O dia seguinte seria longo, como muito chão, muita pedra, mar e fronteiras.