26/09/08 (Sexta) – Porto Alegre / São Paulo – 1140km






















O hotel era legal, mas ao abrir a janela do quarto, pela manhã, tivemos certeza que estávamos no Brasil. Você pode até estar num bairro rico, mas é muito provável que tenha uma favela, um cortiço ou algo do tipo ao alcance da sua vista. Outra cena típica do Brasil também, aconteceu quando paramos para pedir informação num ponto de táxi, veio um vozinho na janela do carro, cuspindo a dentadura em cima do Pablo..rs..coitado (do Pablo!) e ele queria de qualquer jeito entrar no carro para nos mostrar o caminho até pegar a estrada, só faltava essa agora, só se ele fosse no meu colo, porque não cabia nem um cisco mais dentro do carro! Quando a gente disse que não interessava, o velho ficou bravo, resmungando e deu uma informação errada, claro! Também é muito típico dos brasileiros querererem levar vantagem em tudo, agora, até cobram por uma informação. Tínhamos decidido ir pelo litoral, a distância era praticamente a mesma, queríamos evitar as Serras da 116 e manter a proposta de fazer toda a volta da viagem pelo litoral, desde Ushuaia. O que a gente não imaginava é que o tempo estaria horrível, muuuuita chuva, tudo cinza, escuro, foi um saco. Não conseguimos parar em nenhuma praia, e nem conhecer Torres que ficou faltando na viagem do ano passado. A BR 290 estava muito ruim, toda esburacada e em obras. Eu, o tempo todo pedia o carro para o Nano, pois (como algumas pessoas vão lembrar...rs) eu tinha 3 condições para aceitar ir direto para São Paulo: “Eu não dirijo à noite, eu não dirijo com chuva, eu não dirijo na Régis”. O Nano não aceitava dormir em Curitiba de jeito nenhum, estava desesperado pra chegar em casa, beleza, desde que as minhas 3 condições fossem respeitadas, eu fazia o que ele quisesse. Bom, na 290 ele não queria que eu dirigisse por causa dos caminhões e das péssimas condições, tudo bem, estava ruim mesmo. Na 101, ele ficou esperando parar a chuva, que não parava nunca. Isso não ia dar certo, uma hora ele ia se cansar, mesmo que demorasse, esse era meu medo, afinal, “eu não dirijo na Régis, não dirijo com chuva e não dirijo à noite” e a ordem dos fatores não altera o produto. Então eu mudei de tática e comecei insistir para dormirmos em Curitiba. Ano passado tinha sido um pesadelo dirigir na Régis, levamos sete horas para ir de SP à Curitiba! Isso porque era de dia e estávamos descendo! As crateras eram gigantes, vimos pelo menos meia dúzia de caminhões tombados em 400 e poucos km, fora a infinidade de pneus estourados no meio da pista, enfim, pegar a Régis à noite era insanidade e ele não podia contar comigo, afinal, “eu não dirijo na...”, não sei quantas milhões de vezes repeti isso, mas eu devia lembrar que ele nunca presta atenção no que eu falo. Já á tarde, almoçamos num posto, um belo x-salada que mais parecia um x-tudo, igualzinho os da Argentina. Aproveitamos para comprar um queijos típicos...que bom estar no Brasil. Paramos em Florianópolis no final da tarde e quando saímos do posto, aconteceu o que eu temia, o jiraia se cansou e me disse “Você pode ir um pouquinho?”. Puxa, justo agora que estava começando a ficar de noite, entre dirigir na chuva e dirigir à noite, eu preferia ter dirigido o dia inteiro na chuva. Mas a promessa era que seria “só um pouquinho” até o joelho parar de doer, que, por sinal, destruiu durante a viagem. Eu peguei todo o lusco-fusco, que eu odeio! Fiquei com dó do Nano e seu joelho podre e resolvi ir até onde eu conseguisse, não até onde eu enxergasse, porque já era noite e eu não enxergava nada mesmo! Minha meta era Curitiba, se eu não o convencesse de dormirmos lá, eu entregaria o carro e a bucha era dele, pois “eu não dirijo na...”. Quando vi que estávamos perto de Curitiba, parei num posto para tomarmos um café e claro, entregar o carro. Mas ele veio com uma estorinha de “você continua mais um pouco?” Que raiva. Na saída do posto ele ainda veio me dizer o que fazer, por onde ir e tal, eu já estava p..., foi fácil começar uma discussão. Ele me mandou parar, que ele ia, putz, era tudo que eu queria, puxei o freio de mão e saí do carro. Logo depois começou o maior temporal, já era bem noite, eu com a maior dor de cabeça e ele nem pra dizer “ainda bem que você não veio”, estava era com raiva de mim, problema dele né?...Que nada, o problema foi todo meu. Uns 50 km depois ele entra num posto, encosta o carro num canto, abaixa seu banco, se ajeita e diz: “vou descansar um pouco”, juro, assim. Eu e o Pablo com a maior cara de interrogação. Era meia noite, o Pablo baixou a cabeça pra tentar tirar um cochilo, eu estava morrendo de sono, mas meu sangue estava fervendo, eu não tinha nem onde me ajeitar, só o “bonito” conseguia abaixar o banco. Eu saí do carro muito p..., comecei a chutar pedras na frente do carro e falar um monte, não dava pra acreditar que não tínhamos ficado em Curitiba e agora eu ia ter que passar a noite, ou boa parte dela que nem uma vela dura e em pé, naquele posto xexelento, porque o “bonito” precisava descansar! Fala sério. O Pablo, como é muito da turma do bem, quando percebeu que a coisa ia engrossar, saiu de fininho, foi lá do outro lado ver o movimento da estrada. Eu perdi completamente a paciência, xingava, gritava, e o “bonito” ajeitadinho no banco, nem se mexia...eu adoro isso. Abri a porta do carro, tentei xingar bem de pertinho pra ver se surtia efeito, nada, ele nem aí, mas disse para irmos embora, “ta, não vou mais descansar”...E eu ia confiar minha vida àquela cara toda de sono? Não dava. Sentei numas pedras e continuei falando um monte, decidi que, ou eu ia dirigindo (como?), ou ele dormia ali até de manhã, só 10 minutos não resolvia. Uns 15 minutos depois ele abre a porta do carro, quase despencando, a cara amassada e fala “ta, vamos embora, você vai dirigindo”...Achei que ia ter um enfarto de tanta raiva, saí cantando pneu, sem querer né, eu nem sabia quem estava dirigindo, eu é que não era. Pedi pra Deus me tirar do meu corpo e ele mesmo sentar ali e dirigir, porque “ERA NOITE, ESTAVA CHOVENDO MUITO E ESTÁVAMOS NA RÉGIS”. Na Serra, parecia surreal, muita água, muita neblina, muito escuro, muitos, muitos caminhões! Eu, sozinha, quis ter só pra mim, astigmatismo, miopia e hipermetropia, me fala se dá pra dirigir nessas condições, ceguinha desse jeito. O mais surreal de tudo foi depois de uns 20 minutos ver alguém “roncando” do meu lado, como ele conseguia?! Diz ele que tem muita confiança em mim, sei. O Pablo, agora no banco de trás, devia estar em vigília..rs...se não era, ficou religioso nessa noite. Eu não sei como, às 04:00hs do dia 27/09 fomos “arremessados” em Embu, eu já tinha perdido o rodoanel e não fazia a menor idéia de onde estava, quem eu era, enfim...àquilo tudo estava com cara de cidade..hehe. Parei o carro num farol, o “bonito” acordou assustado e eu entreguei o carro, estávamos em São Paulo, depois de termos ido até o fim do mundo de carro, pra mim não dava mais, já tinha ido além do meu limite. Foi exatamente assim que terminanos nossa aventura...Nós tínhamos ido mesmo? Certeza?! Chegamos em casa e a sensação era como se não tivéssemos saído daqui, parecia um sonho, não tinha caído a ficha ainda.

25/09/08 (Quinta) – Montevideo / Punta Del Este / Porto Alegre – 940km




























































































Montevideo foi eleita por mim e pelo Nano a melhor capital, aquela em que viveríamos. Tivemos a impressão que lá as pessoas têm qualidade de vida, não vimos pessoas gordas, relaxadas, mal cuidadas, e sim muita gente caminhando pela manhã na orla da praia, praticando esportes...Lá, o ar é muito mais respirável, a cidade é bonita, percebe-se também a história pela arquitetura, tudo muito encantador. A comida já mais parecida com a do Brasil, café da manhã no hotel ao nosso estilo, não saímos famintos e mal humorados. O Rio da Plata tinha uma cor incrível, não sei se só nesse dia ou sempre, um vermelho-arroxeado, cheiro de água doce e salgada se misturam...ah, que saudade, além de Buenos Aires, também quero voltar ao Uruguai com mais calma. Conhecer Colônia del Sacramiento, Piriápolis, Cabo Polônio, Fortaleza de Santa Tereza, etc. A viagem foi muito tranqüila, as estradas são lindas, cheias de vegetação, o país é tão pequeno que o cortamos em uma reta só. Demos uma paradinha em Punta, estava preparada para um mergulho, mas não é bem assim...o calor não é suficiente para entrar na água, nem mesmo para ficar sem agasalho. Punta, nessa época do ano, fora de temporada, me lembrou algumas cenas que já vi de praias européias, pouquíssimas pessoas na praia, em cadeiras de praia, com uma manta cobrindo as pernas, lendo um livro...bem diferente do que estou acostumada a ver nas praias do Brasil. Demos apenas um giro pela cidade, passamos pela marina, alguns cassinos...do pouco que vi, Punta é aquilo mesmo, o glamour que aparecia nos programas do Amaury Jr....rs...Conheço poucos lugares, mas achei que tem um pouco de Ilhabela, um pouco de Campos do Jordão, o que torna a cidade charmosa. O Chuí estava muito próximo, apenas 215km para finalmente chegarmos ao Brasil, nós estávamos ansiosos, com saudade de casa...Chegamos à fronteira por volta das 15:30, 16:00hs mais ou menos, ver aquela placa de “Bem-Vindo ao Brasil” chegava a emocionar, nunca imaginei que fosse sentir tanta saudade do Brasil, e o Nano então, que vive reclamando daqui, ops, “vivia”...eita paízinho porreta de bom...só é mal administrado vai, mas é bom. Mesmo depois de tantas, os trâmites das Aduanas ainda me deixavam tensa, agora ainda tinha a bendita declaração dos eletrônicos que eu não tinha feito...enfim, respirei fundo e entrei no escritório. À frente da porta, fica um policial numa mesa, depois os guichês, é claro que falamos “buenas tardes”, a coisa fica no automatismo, não tem jeito, quando ele respondeu “boa tarde” a gente sentiu vontade de pular a mesa e abraçá-lo! Que saudade de ouvir alguém falando português, perdoem os Argentinos, adorei vocês, mas falam muuuito e são muito estridentes. Então eu perguntei o que tínhamos que fazer, formulários, vistorias, para deveríamos nos dirigir, essas coisas...ele fez uma cara de espanto, perguntou “Mas vocês estão entrando?!” “Sim” “E são brasileiros?!” “Sim sr.”....”Oras, não tem que fazer nada! E só entrar gente!”...e fez um gesto com a mão chamando a gente para dentro em direção ao Brasil...nós demos muita risada e eu falei para o Nano “eita Brasil, isso aqui é a casa da mãe Joana mesmo hein”...simplesmente pode tudo, é tudo liberado, nós estávamos com compras no carro, coisas bobas, mas preocupados em ter que declarar alguma coisa, que nada...Bora entrar para o Brasil gente!...Bom, a brincadeira estava muito boa, mas ainda faltavam uns 500 e tantos km até Porto Alegre e ainda tínhamos que encarar a realidade das estradas federais brasileiras, terríveis. A vegetação já era diferente, a pelagem das vaquinhas, os rostinhos das crianças, tudo muito familiar. Por duas vezes tentamos comer em postos de caminhoneiros, mas a situação estava feia, nos sentimos na Argentina. Mas valeu a pena esperar, em Pelotas achamos um posto muito legal, com um bufe gigante com todo tipo de salgados...aafeee....quanto nessa vida eu sonhei em comer uma coxinha! E ainda de sobremesa tinha os típicos doces de Pelotas. Agora sim, de barriguinha cheia dava pra chegar em Porto Alegre...foi à meia noite, achamos hotel fácil, no Centro mesmo, dormimos felizes, estávamos em solo brasileiro! Nós tínhamos conseguido!

24/09/08 (Quarta) – Buenos Aires / Montevideo – 776km















































































Enquanto o Nano fazia o check-out e esperava o carro, tentei descobrir quanto estava o buquebus, esperança é a última que morre, quem sabe não tinha uma super promoção naquele dia? O buquebus é a balsa que atravessa de Buenos Aires direto para Montevideo pelo Rio da Plata, não precisaríamos pegar estrada, chegaríamos cedo e descansados em Montevideo, só vantagens, a não ser pelo preço, caríssimo, paga-se pelo carro e pelos passageiros, nesse dia não podia ser diferente, continuava muito caro e mesmo somando toda a gasolina, pedágios, etc, ainda saía mais barato ir pela estrada...eu estava preocupada, pois os pasos fronteriços para o Uruguai estão sempre fechados por protestos dos ambientalistas, existe um conflito entre Argentinos e Uruguaios ocasionado pela construção de fábricas de celulose na fronteira entre os dois países, justamente onde teríamos que atravessar. A situação já era tensa há um bom tempo, mesmo quando saímos do Brasil, mas eu tinha esperança que até o final da viagem a situação estivesse mais tranqüila, a otimista, sempre. Resolvemos então ir pela estrada e tentar atravessar por Fray Bentos, não procurei saber a situação da fronteira antes, pois teríamos que passar por lá de qualquer jeito e, saber que a coisa não andava bem por lá, não mudaria em nada, não dava pra ir pelo buquebus, teríamos que decidir depois o que faríamos caso não conseguíssemos atravessar, tínhamos a opção de seguir pela Argentina mesmo, de um jeito ou de outro chegaríamos em casa, então, que seja com “surpresas” pelo caminho!
Saímos no rush matutino, àquela alegria, o Nano queria ao menos conhecer a Casa Rosada e pegar estrada. Paramos num posto para fazer todo nosso ritual, combustível, óleo, água, pneus, o de sempre. A tampa para medir o óleo emperrou, o Nano descabelou, eu, como sempre, “apertada”, não conseguia um banheiro, surtei, uma alegria só, caos, buzinaço, Nano descabelado, eu surtada, Pablo observando o movimento. Óleo medido, completado, eu aliviada...o Nano calmo, mas ainda descabelado, sempre. Partimos para Casa Rosada, pegamos um trânsito infernal, paramos em local proibido, tiramos uma foto e demos um tchauzinho para Cristina. O negócio agora era conseguir sair de Buenos Aires, trocentas auto-estradas, um milhão de pedágios, trânsito, muito trânsito...bom, só Deus sabe o quanto rodamos, nos perdemos e demoramos para nos encontrarmos e sairmos pela bendita ruta 9, mas deu certo! Encontramos as Puentes Del Complejo de Zárate Brazo Largo e ficamos felizes, porque imagina ter que ouvir esse palavrão cada vez que pedíamos informação, assim, vomitado, na velocidade em que eles falam, sem saber sequer do que se tratava, eu dizia para o Nano que só sabia que tínhamos que chegar num tal de braço largo. Vimos os mesmos campos de girassóis pela estrada, já conhecidos dos últimos dois dias. Paramos num posto na região de Gualeguaychú para “almoçar”, coisa fina, lá fomos informados pelo Sr. super educado que metia as mãos “limpinhas” direto nas minhas empanadas que, a fronteira de Fray Bentos estava fechada....Bom, depois de eu ter comido duas míseras empanadas na porta do banheiro do posto, continuar com fome, termos só mais “12 pesos” na carteira e receber essa informação, eu tive um ataque de riso. Como não conseguiríamos atravessar por Fray Bentos, decidimos não gastar nossos “12 pesos” restantes em empanadas, percorreríamos mais uns 150km para “tentar” atravessar para o Uruguai por Paysandu, se tivesse algum pedágio no caminho, essa “fortuna” teria que resolver! Agora eu ficava mais apreensiva ainda, afinal, estávamos na Província de Entre Rios, na ruta 14, onde tem a polícia mais corrupta, insatisfeita e mal-amada da Argentina. Depois das denúncias no El Clarín, a situação se amenizou, mais eu sabia que a coisa ainda ia mal por essa ruta, a polícia está apenas tendo mais “cuidado”, digamos. Eu não podia dizer que tínhamos tido problemas com a polícia durante toda a trip...só um enroscozinho logo de cara, quando o policial quis a declaração de bens, e só com conversa resolvemos. Depois, a caminho de Buenos Aires, numa das vezes que fomos parados, claro, placa do Brasil, os Argentinos passavam com o carro caindo aos pedaços, mas nós tivemos que tomar uma canseira. Dessa vez o Nano estava dirigindo e eu jurei pra mim mesma ficar quietinha no banco do passageiro, atéééééé queeeee o “inocente” policial pediu “Carteira Internacional de Habilitação”, eu “só” pensei: “Vai se f...”, mas fiquei quieta, não é possível que ele ia insistir nisso...mas foi possível, ele insistiu, bateu boca, o Nano fingiu que não estava entendendo, meu sangue ferveu e não deu mais né, eu me abaixei na direção da janela do Nano e com o meu dedinho indicador chamei o “guardinha”, cumprimentei-o na maior educação e nós tivemos uma conversinha sobre acordos entre países do Mercosul, fala sério, o cara achou que ia arrancar dinheiro da gente com essa história?...Uma coisa que me revoltou viajando de carro fora do Brasil, é que muita gente vê carro do Brasil = trouxas = $...vai se ferrar. O cara ficou muito p..., esqueceu a história da Carteira Internacional e nos deu uma bronca por não termos aguardado na fila de carros, claro, só pra não deixar passar em branco, mas grana ele não conseguiu!
Enfim, voltando ao caminho até Montevideo, ainda bem que, tínhamos os 12 pesos, porque realmente tinha um pedágio no caminho...finalmente chegamos à fronteira de Paysandu, uma zona, muitas filas gigantes de caminhões, nunca vi nada igual, mas estava aberta, Graças à Deus, beleza, era só atravessar e teríamos mais um país no nosso currículo (tá). Aproveitamos para abastecer num posto na fronteira, do lado Argentino, pois a gasolina é bem mais barata, inclusive, sempre tem uma fila imensa de carros uruguaios. Então passamos por uma casinha, deveria ser o antigo escritório da fronteira, tinha só um vozinho, com uniforme da polícia (?) e muito simpático, eu estava achando aquilo fácil demais...e era, a casinha estava abandonada e o vozinho ficava ali só para dizer que a fronteira era mais a frente. Quando finalmente chegamos à fronteira, um pedágio, várias cancelas, várias placas com os preços: “ AUTOS 12 pesos” e na nossa carteira apenas “8 pesos”, pronto, era o fim do sonho Uruguaio! Eu não sabia se ria ou chorava. Encostamos o carro, cabisbaixos, eu já querendo pular na jugular do Nano, ele sempre com a mania de querer cambiar nas fronteiras, mas não tem casa de câmbio em todas as fronteiras! Então resolvemos ir pessoalmente conversar com o pessoal do pedágio e descobrir onde conseguir dinheiro naquele lugar...nada feito, sem casas de câmbio, nem de um lado, nem de outro. Eu ainda estava em dúvida se ria ou chorava, mesmo que não fossemos pelo Uruguai, não tínhamos mais dinheiro para subir pela Argentina, só se conseguíssemos cambiar....então, entre rir e chorar, decidi pedir, de novo! Isso! Já estava me acostumando com essa coisa, nem era tão difícil ser cara de pau. Então combinei com o Nano, nós fechamos a janelinha do pedágio, debruçamos em cima do tiozinho e começamos a ladainha, um monte de carros querendo passar, ninguém entendendo nada...nós tiramos o que tinha sobrado de pesos do bolso, assim, tipo dinheirinho roubado de igreja, sabe? E pedimos um “desconto” no pedágio, choramos, veio um outro tiozinho analisar a situação, um olhava para o outro, mas não cederam, saímos um pouco de lado, demos espaço para alguns carros passarem, passou um bacana numa caminhonetona invocada, pegou o troco do pedágio que era justamente o valor que precisávamos para completar, eu pensava, “pulo nesse cara e saio correndo?”, com tanta polícia não era uma boa idéia...Voltamos nos tiozinhos da casinha do pedágio, eles queriam saber onde estava o carro, de onde éramos, um interrogatório, foi quando o Nano sacou umas moedas da carteira que, juntando, dava 10 pesos, mas no meio das moedas tinha uma de “1 real” então ele disse para os caras “Olha o que eu tenho para vocês”, os olhinhos dos tiozinhos brilharam, como se aquilo fosse ouro...a gente ofereceu os 10 pesos + 1 real, ele simplesmente “arrancou” da mão do Nano e mandou a gente buscar o carro e passar...yes! Tinha dado certo, de novo. Passamos pelo pedágio e 10m à frente já era a fronteira, as pessoas paravam com o carro mesmo, no máximo uma pessoa descia, entregava os documentos e 3 minutos depois eram liberados, estava fácil...não para nós, claro, brasileiros. Paramos na guarita, eu desci com os documentos, fui atendida por um oficial frangote, muito grosso, entreguei tudo pra ele, que ficou enrolando, olhando pra minha cara e para o meu documento, olhava dentro do carro e encarava o Nano...aí começou a historinha que nós não íamos entrar no Uruguai, pois estava faltando um carimbo na nossa documentação. Acontece que, as aduanas da Argentina e do Chile são uma verdadeira bagunça e burocracia, cada fronteira faz seu próprio procedimento, não existe padrão, às vezes ficávamos com a via amarela, outras com a verde, com a rosa, outras com nenhuma e não adiantava brigar, era assim e pronto. Não tem maior saco numa viagem de carro do que enfrentar a “burrocracia” dos países nas fronteiras. O Nano saiu do carro, muito numa boa, mas daquele tamanho e de camiseta regata, afe, pedimos para ele explicar com calma, pois tínhamos apenas seguido o procedimento da última fronteira, mas o cara engrossou feio! Depois que ele viu o Nano, ficou pior, irritadinho, foi muito estúpido, intolerante, dizia que nós não íamos entrar e isso não era problema dele, por aí foi, minhas pernas tremiam, eu estava indignada, o que a gente tinha feito para o “coxinha” estar tão nervoso? Em fração de segundos um filme passou pela minha cabeça e lembrei de quando entramos na Argentina pela primeira vez, nós simplesmente não preenchemos nenhum formulário, não pegamos nenhum carimbo, nada, nada, o carro nem foi vistoriado pela polícia federal, quando fomos entrar no Chile, o cara da aduana disse que estávamos irregulares, mas que ele faria tudo do começo e acertaria a documentação pra gente...enfim, sem stress, sem estupidez e sem PROPINA! Bom, então eu lembrei dos conselhos que recebi antes de viajar de alguns colegas que tiveram problemas parecidos e continuamos agindo com muita humildade, a gente precisava ganhar aquele moleque mal humorado....começamos a explicar que nem sabíamos do que se tratava, só tínhamos seguido o trâmite da última aduana, fizemos tudo conforme quiseram fazer lá, que não quiseram nos dar mais nenhum formulário, pedimos pra ele dar um jeitinho, para regularizarmos a documentação naquela aduana mesmo, explicamos que estávamos longe ainda de Montevideo, que tínhamos reserva e não podíamos perder (mentira), que estávamos sem dinheiro (verdade!), mas por incrível que pareça, o cara ficou mais irredutível ainda, claro, só os tolinhos não tinham percebido ainda o que ele queria....Daí ele chamou o oficial chefe, que por sinal, já estava por perto ouvindo tudo, de novo explicamos tudo para o chefe, numa boa, como se ele não tivesse ouvido, pedi para ele aliviar, levando-se em consideração que o erro tinha sido da outra aduana, se “por favor” ele não podia liberar e regularizar o bendito carimbo...mas os dois estavam esquisitos, de verdade, se entregando pelo olhar, foi quando um olhou para o outro, o chefe deu um sinal de consentimento para o “coxinha” e o frangote finalmente disse: “Só se vocês pagarem uma “multa”...aí a gente libera”...FDP! Eu pensei. Estava demorando pra isso acontecer, mas numa fronteira?! Isso foi demais. Eles queriam 50 pesos p/p! Nós estávamos ferrados. Então começamos a chorar mais ainda, o carro, nem se via mais a cor, de tão imundo que estava, e era um popular! Os meninos estavam barbudos, cabeludos, estávamos empoeirados, pô, estava na cara que éramos aventureiros ferrados e não turistas esbanjando dinheiro...da melhor maneira possível tentamos explicar isso à eles, mas como eles queriam dinheiro, o “coxinha” perdeu a paciência e tentou me humilhar....dizia que “nós tínhamos dinheiro sim! Que fazíamos esse tipo de viagem, blá, blá, blá...”, que “ele é que não tinha dinheiro”, que “ganhava muito mal do governo” que “nunca tinha viajado”, eu não acreditava nas coisas que estava ouvindo. O chefe dele veio me perguntar se eu tinha filhos, eu disse que não, ele me disse que tinha quatro! Foi muito bizarro! Daí eu falei para o “coxinha” que o erro tinha sido da última aduana e que não podiam fazer a gente pagar por isso, então, com muita ironia ele disse: “Então volta para Ushuaia e resolve lá, são 3500km, pega o carimbo e volta aqui, daí eu deixo você passar sem pagar” e deu risada. Depois disse “por aqui vocês não entram, se quiser, suba pela Argentina e atravesse para o Brasil pela próxima fronteira, mas no Uruguai vocês não entram”. Eu achava que não ia conseguir ficar em pé de tanta raiva, minha pressão deve ter subido, minha cabeça explodia, eu não estava mais vermelha, estava roxa, respirei fundo, aquele cara não podia levar a melhor, nem meu dinheiro no bolso dele, nem me humilhar, mas como? Então pensei “multa é multa, é lei, se está dentro da lei tenho o direito a um recibo, certo?” A gente não tinha o dinheiro, mas não custava ver a cara dos FDP’s....Daí eu falei pra eles “Ta certo, se eu arrumar o dinheiro vocês me dão um recibo, certo?”....ba,ba,ba, foi o que ouvi de volta, um olhando pra cara do outro, gaguejando, parecia que tinham esquecido como falar e, juro! Vi o suor escorrer pela testa dele e a artéria temporal saltar, assim como a minha estava. Então o Nano me puxou pelo braço e disse “chega, não vamos mais ficar nos humilhando, não vai dar em nada, vamos embora”. Entramos no carro, fizemos a volta, o oficial chefe saiu da guarita e foi nos acompanhando a pé, nervoso, sinalizando para os outros carros saírem da frente, ele foi junto até ter certeza que estávamos fora da fronteira. Passamos no pedágio de novo, para sair, o mesmo tiozinho atendeu a gente, fez cara de ponto de interrogação e o Nano falou “Não conseguimos entrar, os caras estão cobrando propina pra deixar a gente passar”, o tiozinho balançou a cabeça e falou “aí, só tem ladrão”. Voltamos naquele posto perto da fronteira, tentamos trocar dinheiro, mas eles só cambiavam pesos argentinos por uruguaios e vice-versa. Nós estávamos com um problemão, teríamos que deixar o Uruguai, mas o pior era engolir um sapo daquele tamanho. Subir pela Argentina, pela ruta 14, correr o risco de encontrarmos mais policiais corruptos e não tínhamos dinheiro nem para pedágios. No posto nos informaram que em Colón tinha casa de câmbio, uns 15km dali, ufa, nossa salvação, independente do que faríamos, precisávamos de dinheiro. Fomos até lá, a cidade é uma Vila, minúscula, não dava pra acreditar que tinha casa de câmbio, mas eu nem me preocupava mais, afinal, há quase 30 dias as coisas vinham se encaixando de um jeito ou de outro, eu sentia era muita raiva do “coxinha”, queria tanto voltar lá. Pergunta aqui, pergunta ali, chegamos na frente de uma financeira, tudo fechado, a porcaria da sesta, cidade fantasma, olhei pelo vidro, só propaganda de dinheiro emprestado, nada de câmbio. Atravessei a rua e na sorveteria, único estabelecimento que estava aberto na cidade, me informaram que ali se trocava dinheiro, sim. Faltava ainda mais de uma hora para abrir, não restava outra opção a não ser esperar. Estava muito calor, nós estávamos com sede, fome, cansados e sem dinheiro. O Pablo ficou na calçada observando o movimento e eu e o Nano ficamos no carro conversando sobre tudo o que tinha acontecido e sobre o que faríamos dali pra frente...bom, antes de fazermos planos, precisávamos conseguir dinheiro, mas já tínhamos entrado num consenso, se conseguíssemos a grana, voltaríamos à fronteira e tentaríamos entrar no Uruguai. Não fazíamos idéia de como chegaríamos a Montevideo, tudo tinha atrasado muito, ainda faltava 400km e já era 17:00hs! Enfim, o comércio abriu e acho que Deus queria que nós voltassemos a falar com o “coxinha”, porque conseguimos cambiar. Na volta, eu e o Nano nos acotovelávamos para decidir quem ia falar o que, “Deixa que eu falo!” “Não, eu é que falo, você é muito nervosa!” “Não sr., deixa comigo, estou calma, juro!”. Esperamos nossa vez na fila e de longe observávamos o movimento, o “coxinha” irônico não estava mais no guichê de saída da Argentina, agora estava no de entrada, por quê? No lugar dele, estava outro, que deu um toque pra ele quando viu nosso carro, maravilha, a coisa estava esquentando de novo. Eu e o Nano descemos do carro juntos, chegamos no guichê juntos e sem falar nenhuma palavra entregamos os documentos, o cara não pegou, virou para trás e perguntou para meu “coxinha” favorito “São eles que vão pagar a multa né?” (O negócio tinha repercutido hein, eu gosto) Então eu disse pra ele “antes de pagar quero ver os recibos”, ele pediu para aguardarmos que o chefe nos atenderia, lá veio o chefe que suava em bicas e nos levou para uma sala, pensei “pronto, agora a gente apanha” que nada, ele sacou um talão de recibos da gaveta de uma mesa, preencheu os três recibos em duas vias, ficamos com uma e ele teve que anexar a outra na nossa documentação. Pronto, estava feito, multa paga, mas não ia para o bolso deles, não ia servir para comprar o leitinho dos 4 filhos, quem mandou não ter televisão em casa? Não é fácil botar filho no mundo? Depois vem se queixar para pessoas que ele nem conhece “que ganha muito mal”, vai se f.... Que que eu tenho com isso? Áh, só faltava uma coisinha, agradecer! Agradeci ao oficial por ele ter sido tão correto, honesto e bom policial, disse que, no Brasil, eu trabalhava para uma revista e que escreveria uma matéria sobre aquele acontecimento, afinal, as autoridades do seu país precisavam saber o quanto a aduana de Ushuaia era ineficiente e burra, que esses erros precisavam ser denunciados e que a aduana que ele chefiava precisava ser elogiada, por trabalharem dentro da lei! E que ainda faria um adendo sobre o salário deles, tão precário, quem sabe o governo não se sensibilizasse, se eles ganhassem mais, o fulano, o subordinado dele, poderia viajar um pouco, porque é tão bom viajar, como pode uma pessoa viver sem viajar, realmente ele devia ser muito infeliz...Nossa, nem preciso dizer que essa foi a melhor parte, ele se desmanchou em um milhão de pedidos de desculpas, foi demais. “Você entende que nada que aconteceu aqui foi por mal?” “Claro, perfeitamente” “Só fazemos nosso trabalho, senhora, desculpe por qualquer comentário” “Imagina, não tem porquê, vocês só fazem seu trabalho, quem não faz é a aduana de Ushuaia” “Não é bem assim, senhora, não entenda por esse lado”...foi muuuuuito bom! Ainda tivemos que ir no guichê do coxinha revoltado porque ganha mal e não viaja, a cara dele estava de dar dó. Eu não tinha mais dor de cabeça, nem estava vermelha, mas ele estava muito, ele tremia. Esse foi um dos melhores dias da viagem. Depois de fazermos uma bela banana para os oficiais argentinos, já do lado uruguaio, claro! Paramos para “almoçar” umas 18:00hs num posto logo depois da fronteira, onde torramos o restante dos pesos argentinos, que fome! A estrada para Montevideo é muito boa, conseguimos percorrer os 400km e chegar na cidade por volta da 1:00hs, quase sem perceber, estávamos animados, conversando bastante, o gostinho da vitória é muito bom. Difícil foi encontrar hotel, de novo. Só tinha vaga numa espelunca e num 4 estrelas, caro, mas o conforto a altura do preço. O espelunca era desses tipo Praça da Sé-SP, o carinha da portaria queria me levar pra conhecer o quarto, antes de me dizer o preço, eu estava sozinha, enquanto ele foi “buscar” o elevador, eu desci as escadas correndo e sumi. Ficamos no 4 estrelas, acho que o melhor de toda a viagem. O Nano, sempre com fome, ainda saiu para comer, eu fiquei no MSN com a Mamis enquanto o Pablo tomava banho. Estávamos no Uruguai, agora, mais perto de casa!